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Seção 21.1 Extensões de corpos

Um corpo \(E\) é uma extensão de corpos de um corpo \(F\) se \(F\) é um subcorpo de \(E\text{.}\) O corpo \(F\) se chama corpo base. Escrevemos \(F \subset E\text{.}\)

Por exemplo, seja

\begin{equation*} F = {\mathbb Q}( \sqrt{2}\,) = \{ a + b \sqrt{2} : a, b \in {\mathbb Q} \} \end{equation*}

e seja \(E = {\mathbb Q }( \sqrt{2} + \sqrt{3}\,)\) o menor corpo que contém \({\mathbb Q}\) e \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\text{.}\) Tanto \(E\) como \(F\) são extensões dos números racionais. Afirmamos que \(E\) é uma extensão do corpo \(F\text{.}\) Para ver isto, só precisamos mostrar que \(\sqrt{2}\) está em \(E\text{.}\) Como \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\) está em \(E\text{,}\) \(1 / (\sqrt{2} + \sqrt{3}\,) = \sqrt{3} - \sqrt{2}\) também deve estar em \(E\text{.}\) Tomando combinações lineares de \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\) e \(\sqrt{3} - \sqrt{2}\text{,}\) encontramos que tanto \(\sqrt{2}\) como \(\sqrt{3}\) devem estar em \(E\text{.}\)

Seja \(p(x) = x^2 + x + 1 \in {\mathbb Z}_2[x]\text{.}\) Como nem 0 nem 1 é uma raiz deste polinômio, sabemos que \(p(x)\) é irredutível sobre \({\mathbb Z}_2\text{.}\) Construiremos uma extensão do corpo \({\mathbb Z}_2\) que contenha um elemento \(\alpha\) tal que \(p(\alpha) = 0\text{.}\) Pelo Teorema 17.3.12, o ideal \(\langle p(x) \rangle\) gerado por \(p(x)\) é máximo; logo, \({\mathbb Z}_2[x] / \langle p(x) \rangle\) é um corpo. Seja \(f(x) + \langle p(x) \rangle\) um elemento arbitrário de \({\mathbb Z}_2[x] / \langle p(x) \rangle\text{.}\) Pelo algoritmo de divisão,

\begin{equation*} f(x) = (x^2 + x + 1) q(x) + r(x), \end{equation*}

donde o grau de \(r(x)\) é menor que o grau de \(x^2 + x + 1\text{.}\) Portanto,

\begin{equation*} f(x) + \langle x^2 + x + 1 \rangle = r(x) + \langle x^2 + x + 1 \rangle. \end{equation*}

Dessa forma, as únicas possibilidades para \(r(x)\) são \(0\text{,}\) \(1\text{,}\) \(x\text{,}\) e \(1 + x\text{.}\) Consequentemente, \(E = {\mathbb Z}_2[x] / \langle x^2 + x + 1 \rangle\) é um corpo com quatro elementos e deve ser uma extensão de \({\mathbb Z}_2\text{,}\) que contém um zero \(\alpha\) de \(p(x)\text{.}\) O corpo \({\mathbb Z}_2( \alpha)\) consiste dos elementos

\begin{align*} 0 + 0 \alpha & = 0\\ 1 + 0 \alpha & = 1\\ 0 + 1 \alpha & = \alpha\\ 1 + 1 \alpha & = 1 + \alpha. \end{align*}

Notemos que \({\alpha}^2 + {\alpha} + 1 = 0\text{;}\) daqui, se calcularmos \((1 + \alpha)^2\text{,}\)

\begin{equation*} (1 + \alpha)(1 + \alpha)= 1 + \alpha + \alpha + (\alpha)^2 = \alpha. \end{equation*}

Outros cálculos se realizam de forma similar. Resumimos esses resultados nas seguintes tabelas, que nos dizem como somar e multiplicar elementos em \(E\text{.}\)

Tabela 21.1.3.
Tabela 21.1.4.

O seguinte teorema, de Kronecker, é tão importante e básico para nossa compreensão dos corpos que frequentemente é conhecido como Teorema Fundamental da Teoria dos Corpos.

Para demonstrar este teorema, usaremos o método usado no Exemplo  21.1.2. Claramente, podemos supor que \(p(x)\) é um polinômio irredutível. Queremos encontrar uma extensão \(E\) de \(F\) que contenha um elemento \(\alpha\) tal que \(p(\alpha) = 0\text{.}\) O ideal \(\langle p(x) \rangle\) gerado por \(p(x)\) é um ideal máximo em \(F[x]\) pelo Teorema 17.3.12; logo, \(F[x]/\langle p(x) \rangle\) é um corpo. Afirmamos que \(E = F[x]/\langle p(x) \rangle\) é o corpo buscado.

Demonstraremos primeiro que \(E\) é uma extensão de \(F\text{.}\) Podemos definir um homomorfismo de anéis comutativos \(\psi:F \rightarrow F[x]/\langle p(x) \rangle\text{,}\) donde \(\psi(a) = a + \langle p(x)\rangle\) para \(a \in F\text{.}\) É fácil verificar que \(\psi\) é realmente um homomorfismo de anéis. Observe que

\begin{equation*} \psi( a ) + \psi( b ) = (a + \langle p(x) \rangle) + (b + \langle p(x) \rangle) = (a + b) + \langle p(x) \rangle = \psi( a + b ) \end{equation*}

e

\begin{equation*} \psi( a ) \psi( b ) = (a + \langle p(x) \rangle) (b + \langle p(x) \rangle) = a b + \langle p(x) \rangle = \psi( a b ). \end{equation*}

Para demonstrar que \(\psi\) é 1-1, suponhamos que

\begin{equation*} a + \langle p(x) \rangle = \psi(a) = \psi(b) = b + \langle p(x) \rangle. \end{equation*}

Então \(a - b\) é um múltiplo de \(p(x)\text{,}\) dado que está no ideal \(\langle p(x) \rangle\text{.}\) Como \(p(x)\) é um polinômio não constante, a única possibilidade é que \(a - b = 0\text{.}\) Portanto, \(a = b\) e \(\psi\) é injetivo. Como \(\psi\) é 1-1, podemos identificar \(F\) com o subcorpo \(\{ a + \langle p(x) \rangle : a \in F \}\) de \(E\) e ver \(E\) como um corpo de extensão de \(F\text{.}\)

Falta demonstrar que \(p(x)\) tem um zero \(\alpha \in E\text{.}\) Seja \(\alpha = x + \langle p(x) \rangle\text{.}\) Então \(\alpha\) pertence a \(E\text{.}\) Se \(p(x) = a_0 + a_1 x + \cdots + a_n x^n\text{,}\) então

\begin{align*} p( \alpha ) & = a_0 + a_1( x + \langle p(x) \rangle) + \cdots + a_n ( x + \langle p(x) \rangle)^n\\ & = a_0 + ( a_1 x + \langle p(x) \rangle) + \cdots + (a_n x^n + \langle p(x) \rangle)\\ & = a_0 + a_1 x + \cdots + a_n x^n + \langle p(x) \rangle\\ & = 0 + \langle p(x) \rangle. \end{align*}

Portanto, encontramos um elemento \(\alpha \in E = F[x]/\langle p(x) \rangle\) tal que \(\alpha\) é um zero de \(p(x)\text{.}\)

Seja \(p(x) = x^5 + x^4 + 1 \in {\mathbb Z}_2[x]\text{.}\) Então \(p(x)\) tem fatores irredutíveis \(x^2 + x + 1\) e \(x^3 + x + 1\text{.}\) Para um corpo de extensão \(E\) de \({\mathbb Z}_2\) tal que \(p(x)\) tenha uma raiz em \(E\text{,}\) podemos tomar \(E\) como \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^2 + x + 1 \rangle\) o como \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^3 + x + 1 \rangle\text{.}\) Deixaremos de exercício mostrar que \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^3 + x + 1 \rangle\) é um corpo com \(2^3=8\) elementos.

Subseção 21.1.1 Elementos Algébricos

Um elemento \(\alpha\) em uma extensão de corpos \(E\) sobre \(F\) é algébrico sobre \(F\) se \(f(\alpha)=0\) para algum polinômio não nulo \(f(x) \in F[x]\text{.}\) Um elemento em \(E\) que não é algébrico sobre \(F\) é transcendente sobre \(F\text{.}\) Um corpo de extensão \(E\) de um corpo \(F\) é uma extensão algébrica de \(F\) se cada elemento em \(E\) é algébrico sobre \(F\text{.}\) Se \(E\) é uma extensão de corpos de \(F\) e \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\) estão contidos em \(E\text{,}\) denotamos por \(F( \alpha_1, \ldots, \alpha_n)\) o menor corpo que contém \(F\) e \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\text{.}\) Se \(E = F( \alpha )\) para certo \(\alpha \in E\text{,}\) então \(E\) é uma extensão simples de \(F\text{.}\)

Tanto \(\sqrt{2}\) como \(i\) são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) pois são zeros dos polinômios \(x^2 -2\) e \(x^2 + 1\text{,}\) respetivamente. Claramente \(\pi\) e \(e\) são algébricos sobre os números reais; porém, não é trivial que sejam transcendentes sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Números em \({\mathbb R}\) que são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) são a minoria. Quase todos os números reais são transcendentes sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) 1  (Em muitos casos não se sabe se um número específico é transcendente ou não; por exemplo ainda não se sabe se \(\pi + e\) é transcendente ou algébrico.)

Um número complexo que seja algébrico sobre \({\mathbb Q}\) é um número algébrico. Um número transcendente é um elemento de \({\mathbb C}\) que é transcendente sobre \({\mathbb Q}\text{.}\)

Mostraremos que \(\sqrt{2 + \sqrt{3} }\) é algébrico sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Se \(\alpha = \sqrt{2 + \sqrt{3} }\text{,}\) então \(\alpha^2 = 2 + \sqrt{3}\text{.}\) Portanto, \(\alpha^2 - 2 = \sqrt{3}\) e \(( \alpha^2 - 2)^2 = 3\text{.}\) Como \(\alpha^4 - 4 \alpha^2 + 1 = 0\text{,}\) deve ser verdade que \(\alpha\) é um zero do polinômio \(x^4 - 4 x^2 + 1 \in {\mathbb Q}[x]\text{.}\)

É muito fácil dar um exemplo de uma extensão de corpos \(E\) sobre um corpo \(F\text{,}\) tal que \(E\) contenha um elemento transcendente sobre \(F\text{.}\) O seguinte teorema caracteriza as extensões transcendentais.

Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação em \(\alpha\text{.}\) Então \(\alpha\) é transcendente sobre \(F\) se e somente se \(\phi_{\alpha} (p(x)) = p(\alpha) \neq 0\) para todo polinômio não constante \(p(x) \in F[x]\text{.}\) Isto é verdadeiro se e somente sr \(\ker \phi_{\alpha} = \{ 0 \}\text{;}\) isso é, é verdadeiro precisamente quando \(\phi_{\alpha}\) é 1-1. Logo, \(E\) deve conter uma cópia de \(F[x]\text{.}\) O menor corpo que contem a \(F[x]\) é o corpo de frações \(F(x)\text{.}\) Pelo Teorema 18.1.4, \(E\) deve conter uma cópia deste corpo.

Temos uma situação mais interessante para o caso das extensões algébricas.

Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação. O núcleo de \(\phi_{\alpha}\) é um ideal principal gerado por algum polinômio \(p(x) \in F[x]\) com \(\deg p(x) \geq 1\text{.}\) Sabemos que tal polinômio existe, pois \(F[x]\) é um domínio de ideais principais e \(\alpha\) é algébrico. O ideal \(\langle p(x) \rangle\) consiste exatamente daqueles elementos de \(F[x]\) que têm a \(\alpha\) como zero. Se \(f( \alpha ) = 0\) e \(f(x)\) não é o polinômio nulo, então \(f(x) \in \langle p(x) \rangle\) e \(p(x)\) divide \(f(x)\text{.}\) Assim \(p(x)\) é um polinômio de grau mínimo que tem em \(\alpha\) um zero. Qualquer outro polinômio do mesmo grau que se anule em \(\alpha\) deve ser da forma \(\beta p( x)\) para certo \(\beta \in F\text{.}\)

Suponha agora que \(p(x) = r(x) s(x)\) é uma fatoração de \(p(x)\) em fatores de grau menor. Como \(p( \alpha ) = 0\text{,}\) \(r( \alpha ) s( \alpha ) = 0\text{;}\) teremos que, \(r( \alpha )=0\) ou \(s( \alpha ) = 0\text{,}\) que contradiz o fato de que \(p\) é de grau mínimo. Portanto, \(p(x)\) deve ser irredutível.

Seja \(E\) uma extensão do corpo \(F\) e \(\alpha \in E\) um elemento algébrico sobre \(F\text{.}\) O polinômio mônico único \(p(x)\) do teorema anterior se chama polinômio minimal de \(\alpha\) sobre \(F\text{.}\) O grau de \(p(x)\) é o grau de \(\alpha\) sobre \(F\).

Seja \(f(x) = x^2 - 2\) e \(g(x) = x^4 - 4 x^2 + 1\text{.}\) Esses são os polinômios minimais de \(\sqrt{2}\) e \(\sqrt{2 + \sqrt{3} }\text{,}\) respetivamente.

Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação. O núcleo desta função é \(\langle p(x) \rangle\text{,}\) donde \(p(x)\) é o polinômio minimal de \(\alpha\text{.}\) Pelo Primeiro Teorema de Isomorfia de anéis, a imagem de \(\phi_{\alpha}\) em \(E\) é isomorfa com relação a \(F( \alpha )\) pois contém tanto \(F\) como \(\alpha\text{.}\)

Dado que \(\phi_{\alpha} ( F[x] ) \cong F( \alpha )\text{,}\) todo elemento em \(E = F( \alpha )\) deve ser da forma \(\phi_{\alpha} ( f(x) ) = f( \alpha )\text{,}\) donde \(f(\alpha)\) é um polinômio em \(\alpha\) com coeficientes em \(F\text{.}\) Seja

\begin{equation*} p(x) = x^n + a_{n - 1} x^{n - 1} + \cdots + a_0 \end{equation*}

o polinômio minimal de \(\alpha\text{.}\) Então \(p( \alpha ) = 0\text{;}\) logo,

\begin{equation*} {\alpha}^n = - a_{n - 1} {\alpha}^{n - 1} - \cdots - a_0. \end{equation*}

Similarmente,

\begin{align*} {\alpha}^{n + 1} & = {\alpha} {\alpha}^n\\ & = - a_{n - 1} {\alpha}^n - a_{n - 2} {\alpha}^{n - 1} - \cdots - a_0 {\alpha}\\ & = - a_{n - 1}( - a_{n - 1} {\alpha}^{n - 1} - \cdots - a_0) - a_{n - 2} {\alpha}^{n - 1} - \cdots - a_0 {\alpha}. \end{align*}

Continuando desta maneira, podemos expressar qualquer monômio \({\alpha}^m\text{,}\) \(m \geq n\text{,}\) como combinação linear de potências de \({\alpha}\) menores que \(n\text{.}\) Portanto, qualquer \(\beta \in F( \alpha )\) pode ser escrito como

\begin{equation*} \beta = b_0 + b_1 \alpha + \cdots + b_{n - 1} \alpha^{n - 1}. \end{equation*}

Para mostrar a unicidade, suponha que

\begin{equation*} \beta = b_0 + b_1 \alpha + \cdots + b_{n-1} \alpha^{n-1} = c_0 + c_1 \alpha + \cdots + c_{n - 1} \alpha^{n - 1} \end{equation*}

para \(b_i\) e \(c_i\) em \(F\text{.}\) Então

\begin{equation*} g(x) = (b_0 - c_0) + (b_1 - c_1) x + \cdots + (b_{n - 1} - c_{n - 1})x^{n - 1} \end{equation*}

está em \(F[x]\) e \(g( \alpha ) = 0\text{.}\) Como o grau de \(g(x)\) é menor que o grau de \(p( x )\text{,}\) o polinômio irredutível de \(\alpha\text{,}\) \(g(x)\) deve ser o polinômio nulo. Concluímos,

\begin{equation*} b_0 - c_0 = b_1 - c_1 = \cdots = b_{n - 1} - c_{n - 1} = 0, \end{equation*}

é dizer, \(b_i = c_i\) para \(i = 0, 1, \ldots, n-1\text{.}\) Demonstramos a unicidade.

Como \(x^2 + 1\) é irredutível sobre \({\mathbb R}\text{,}\) \(\langle x^2 + 1 \rangle\) é um ideal máximo em \({\mathbb R}[x]\text{.}\) Assim \(E = {\mathbb R}[x]/\langle x^2 + 1 \rangle\) é uma extensão de corpos de \({\mathbb R}\) que contém una raiz de \(x^2 + 1\text{.}\) Seja \(\alpha = x + \langle x^2 + 1 \rangle\text{.}\) Podemos identificar \(E\) com os números complexos. Pela Proposição  21.1.12, \(E\) é isomorfo a \({\mathbb R}( \alpha ) = \{ a + b \alpha : a, b \in {\mathbb R} \}\text{.}\) Sabemos que \(\alpha^2 = -1\) está em \(E\text{,}\) dado que

\begin{align*} \alpha^2 + 1 & = (x + \langle x^2 + 1 \rangle)^2 + (1 + \langle x^2 + 1 \rangle)\\ & = (x^2 + 1) + \langle x^2 + 1 \rangle\\ & = 0. \end{align*}

Logo, temos um isomorfismo de \({\mathbb R}( \alpha )\) com \({\mathbb C}\) definido pela função que envia \(a + b \alpha\) para \(a + bi\text{.}\)

Seja \(E\) uma extensão de um corpo \(F\text{.}\) Se consideramos \(E\) como um espaço vetorial sobre \(F\text{,}\) então podemos usar toda a maquinaria de álgebra linear para trabalhar com problemas que encontraremos em nosso estudo de corpos. Os elementos no corpo \(E\) são vetores; os elementos no corpo \(F\) são escalares. Podemos pensar na adição em \(E\) como uma soma de vetores. Quando multiplicamos um elemento em \(E\) por um elemento de \(F\text{,}\) estamos multiplicando um vetor por um escalar. Este ponto de vista para as extensões de corpos é especialmente frutífero se una extensão \(E\) de \(F\) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre \(F\text{,}\) e o Teorema 21.1.13 diz que \(E = F(\alpha )\) é de dimensão finita sobre \(F\) com base \(\{ 1, \alpha, {\alpha}^2, \ldots, {\alpha}^{n - 1} \}\text{.}\)

Se um corpo de extensão \(E\) de um corpo \(F\) é um espaço vetorial sobre \(F\) de dimensão finita \(n\text{,}\) então diremos que \(E\) é uma extensão de grau finito \(n\) sobre \(F\). Escrevemos

\begin{equation*} [E:F]= n. \end{equation*}

para indicar a dimensão de \(E\) sobre \(F\text{.}\)

Seja \(\alpha \in E\text{.}\) Como \([E:F] = n\text{,}\) os elementos

\begin{equation*} 1, \alpha, \ldots, {\alpha}^n \end{equation*}

não podem ser linearmente independentes. Logo existem \(a_i \in F\text{,}\) não todos zero, tais que

\begin{equation*} a_n {\alpha}^n + a_{n - 1} {\alpha}^{n - 1} + \cdots + a_1 \alpha + a_0 = 0. \end{equation*}

Portanto,

\begin{equation*} p(x) = a_n x^n + \cdots + a_0 \in F[x] \end{equation*}

é um polinômio não nulo com \(p( \alpha ) = 0\text{.}\)

Nota 21.1.16.

Teorema 21.1.15 diz que toda extensão finita de um corpo \(F\) é uma extensão algébrica. No entanto, o recíproco é falso. Deixaremos como um exercício demonstrar que o conjunto de todos os elementos em \({\mathbb R}\) que são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) formam uma extensão infinita de \({\mathbb Q}\text{.}\)

O seguinte teorema é um teorema de contagem, similar com Teorema de Lagrange em teoria de grupos. Teorema 21.1.17 provará uma ferramenta de grande utilidade em nossa investigação de extensões finitas de corpos.

Seja \(\{ \alpha_1, \ldots, \alpha_n \}\) uma base para \(E\) tal que este seja um espaço vetorial sobre \(F\) e seja \(\{ \beta_1, \ldots, \beta_m \}\) uma base para \(K\) tal que este seja um espaço vetorial sobre \(E\text{.}\) Afirmamos que \(\{ \alpha_i \beta_j \}\) é uma base para \(K\) sobre \(F\text{.}\) Provaremos primeiro que esses vetores geram \(K\text{.}\) Seja \(u \in K\text{.}\) Então \(u = \sum_{j = 1}^{m} b_j \beta_j\) e \(b_j = \sum_{i = 1}^{n} a_{ij} \alpha_i\text{,}\) donde \(b_j \in E\) e \(a_{ij} \in F\text{.}\) Então

\begin{equation*} u = \sum_{j = 1}^{m} \left( \sum_{i = 1}^{n} a_{ij} \alpha_i \right) \beta_j = \sum_{i,j} a_{ij} ( \alpha_i \beta_j ). \end{equation*}

Assim os \(mn\) vetores \(\alpha_i \beta_j\) geram \(K\) sobre \(F\text{.}\)

Devemos mostrar que os \(\alpha_i \beta_j \) são linearmente independentes. Recorde que um conjunto de vetores \(\{v_1, v_2, \ldots, v_n\}\) em um espaço vetorial \(V\) é linearmente independente se

\begin{equation*} c_1 v_1 + c_2 v_2 + \cdots + c_n v_n = 0 \end{equation*}

implica que

\begin{equation*} c_1 = c_2 = \cdots = c_n = 0. \end{equation*}

Seja

\begin{equation*} u = \sum_{i,j} c_{ij} ( \alpha_i \beta_j ) = 0 \end{equation*}

para \(c_{ij} \in F\text{.}\) Devemos demonstrar que todos os \(c_{ij}\)'s são zero. Podemos reescrever \(u\) como

\begin{equation*} \sum_{j = 1}^{m} \left( \sum_{i = 1}^{n} c_{ij} \alpha_i \right) \beta_j = 0, \end{equation*}

donde \(\sum_i c_{ij} \alpha_i \in E\text{.}\) Como os \(\beta_j\) são linearmente independentes sobre \(E\text{,}\) deve ser o caso em que

\begin{equation*} \sum_{i = 1}^n c_{ij} \alpha_i = 0 \end{equation*}

para todo \(j\text{.}\) No entanto, os \(\alpha_j\) também são linearmente independentes sobre \(F\text{.}\) Portanto, \(c_{ij} = 0\) para todo \(i\) e \(j\text{,}\) o que completa a demonstração.

O seguinte corolário se demonstra facilmente por indução.

Sabemos que \(\deg p(x) = [F( \alpha ) : F ]\) e \(\deg q(x) = [F( \beta ) : F ]\text{.}\) Como \(F \subset F( \beta ) \subset F( \alpha )\text{,}\)

\begin{equation*} [F( \alpha ) : F ]= [ F( \alpha ) : F( \beta ) ] [ F( \beta ) : F ]. \end{equation*}

Determinemos uma extensão de corpos de \({\mathbb Q}\) que contenha \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\text{.}\) É fácil determinar que o polinômio minimal de \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\) é \(x^4 - 16 x^2 + 4\text{.}\) Segue que

\begin{equation*} [{\mathbb Q}( \sqrt{3} + \sqrt{5}\, ) : {\mathbb Q} ] = 4. \end{equation*}

Sabemos que \(\{ 1, \sqrt{3}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Logo, \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\) não pode estar em \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\text{.}\) Segue que \(\sqrt{5}\) também não pode estar em \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\text{.}\) Portanto, \(\{ 1, \sqrt{5}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}, \sqrt{5}\, ) = ( {\mathbb Q}(\sqrt{3}\, ))( \sqrt{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\) e \(\{ 1, \sqrt{3}, \sqrt{5}, \sqrt{3} \sqrt{5} = \sqrt{15}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}, \sqrt{5}\, ) = {\mathbb Q}( \sqrt{3} + \sqrt{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Este exemplo mostra que é possível que certa extensão \(F( \alpha_1, \ldots, \alpha_n )\) seja realmente uma extensão simples de \(F\) ainda que \(n \gt 1\text{.}\)

Calculemos uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5} \, i )\text{,}\) donde \(\sqrt{5}\) é a raiz quadrada positiva de 5 e \(\sqrt[3]{5}\) é a raiz cúbica real de 5. Sabemos que \(\sqrt{5} \, i \notin {\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}\, )\text{,}\) então

\begin{equation*} [ {\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i) : {\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}\, )] = 2. \end{equation*}

É fácil determinar que \(\{ 1, \sqrt{5}i\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\) sobre \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}\, )\text{.}\) Também sabemos que \(\{ 1, \sqrt[3]{5}, (\sqrt[3]{5}\, )^2 \}\) é uma base para \({\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Logo, uma base para \({\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\) sobre \({\mathbb Q}\) é

\begin{equation*} \{ 1, \sqrt{5}\, i, \sqrt[3]{5}, (\sqrt[3]{5}\, )^2, (\sqrt[6]{5}\, )^5 i, (\sqrt[6]{5}\, )^7 i = 5 \sqrt[6]{5}\, i \text{ o } \sqrt[6]{5}\, i \}. \end{equation*}

Notemos que \(\sqrt[6]{5}\, i\) é um zero de \(x^6 + 5\text{.}\) Podemos demonstrar que este polinômio é irredutível sobre \({\mathbb Q}\) usando o Critério de Eisenstein, com \(p = 5\text{.}\) Portanto,

\begin{equation*} {\mathbb Q} \subset {\mathbb Q}( \sqrt[6]{5}\, i) \subset {\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i ). \end{equation*}

Mas deve ser o caso que \({\mathbb Q}( \sqrt[6]{5}\, i) = {\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\text{,}\) dado que ambas são extensões de grau 6.

(1) \(\Rightarrow\) (2). Seja \(E\) uma extensão algébrica finita de \(F\text{.}\) Então \(E\) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre \(F\) e existe uma base que consiste de elementos \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\) em \(E\) tais que \(E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n)\text{.}\) Cada \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F\) pelo Teorema 21.1.15.

(2) \(\Rightarrow\) (3). Suponha que \(E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n)\text{,}\) donde cada \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F\text{.}\) Então

\begin{equation*} E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n) \supset F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{n - 1} ) \supset \cdots \supset F( \alpha_1 ) \supset F, \end{equation*}

donde cada corpo \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i)\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{.}\)

(3) \(\Rightarrow\) (1). Seja

\begin{equation*} E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n) \supset F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{n - 1} ) \supset \cdots \supset F( \alpha_1 ) \supset F, \end{equation*}

donde cada corpo \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i)\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{.}\) Como

\begin{equation*} F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i) = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1} )(\alpha_i) \end{equation*}

é uma extensão simples e \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{,}\) segue que

\begin{equation*} [ F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i) : F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1} )] \end{equation*}

é finita para cada \(i\text{.}\) Portanto, \([E : F]\) é finita.

Subseção 21.1.2 Fechamento Algébrica

Dado um corpo \(F\text{,}\) surge a pergunta sobre se é possível encontrar um corpo \(E\) tal que todo polinômio \(p(x)\) tenha uma raiz em \(E\text{.}\) Isto nos leva ao seguinte teorema.

Sejam \(\alpha, \beta \in E\) algébricos sobre \(F\text{.}\) Então \(F( \alpha, \beta )\) é uma extensão finita de \(F\text{.}\) Como todo elemento de \(F( \alpha, \beta )\) é algébrico sobre \(F\text{,}\) \(\alpha \pm \beta\text{,}\) \(\alpha \beta\text{,}\) e \(\alpha / \beta\) (\(\beta \neq 0\)) são todos algébricos sobre \(F\text{.}\) Portanto, o conjunto dos elementos em \(E\) que são algébricos sobre \(F\) forma um corpo.

Seja \(E\) uma extensão de corpos de um corpo \(F\text{.}\) Definimos o fechamento algébrico de um corpo \(F\) em \(E\) como o corpo que consiste de todos os elementos em \(E\) que são algébricos sobre \(F\text{.}\) Um corpo \(F\) é algebricamente fechado se todo polinômio não constante em \(F[x]\) tem uma raiz em \(F\text{.}\)

Seja \(F\) um corpo algebricamente fechado. Se \(p(x) \in F[x]\) é um polinômio não constante, então \(p(x)\) tem uma raiz em \(F\text{,}\) digamos \(\alpha\text{.}\) Logo, \(x-\alpha\) deve ser um fator de \(p(x)\) de maneira que \(p(x) = (x - \alpha) q_1(x)\text{,}\) donde \(\deg q_1(x) = \deg p(x) - 1\text{.}\) Continue este processo com \(q_1(x)\) para encontrar a fatoração

\begin{equation*} p(x) = (x - \alpha)(x - \beta)q_2(x), \end{equation*}

donde \(\deg q_2(x) = \deg p(x) -2\text{.}\) Este processo deve terminar em algum momento pois o grau de \(p(x)\) é finito.

Reciprocamente, suponha que todo polinômio não constante \(p(x)\) em \(F[x]\) se fatoriza como produto de fatores lineares. Seja \(ax - b\) um desses fatores. Então \(p( b/a) = 0\text{.}\) Logo, \(F\) é algebricamente fechado.

Seja \(E\) uma extensão algébrica de \(F\text{;}\) Então \(F \subset E\text{.}\) Para \(\alpha \in E\text{,}\) o polinômio minimal de \(\alpha\) é \(x - \alpha\text{.}\) Portanto, \(\alpha \in F\) e \(F = E\text{.}\)

É um fato não trivial que todo corpo tenha um único fechamento algébrica. A demonstração não é muito difícil, mas requer algumas ferramentas mais sofisticadas de teoria de conjuntos. O leitor interessado pode encontrar uma demonstração deste fato em [3], [4], o [8].

Enunciamos agora o Teorema Fundamental da Álgebra, demonstrado primeiramente por Gauss aos 22 anos de idade em sua tese de doutorado. Este teorema diz que todo polinômio com coeficientes nos números complexos tem uma raiz nos números complexos. A demonstração deste teorema se dará no Capítulo  23.

A probabilidade que um número real escolhido aleatoriamente no intervalo \([0, 1]\) seja transcendente sobre os números racionais é um.