Seção 21.2 Corpos de decomposição
Seja \(F\) um corpo e \(p(x)\) um polinômio não constante em \(F[x]\text{.}\) Já sabemos que podemos encontrar uma extensão de corpos de \(F\) que contém uma raiz de \(p(x)\text{.}\) No entanto, queremos saber se existe uma extensão \(E\) de \(F\) que contenha todas as raízes de \(p(x)\text{.}\) Em outras palavras, podemos encontrar uma extensão de corpos de \(F\) tal que \(p(x)\) se fatora como produto de polinômios lineares? Qual é a “menor” extensão que contém todas as raízes de \(p(x)\text{?}\)
Seja \(F\) um corpo e \(p(x) = a_0 + a_1 x + \cdots + a_n x^n\) um polinômio não constante em \(F[x]\text{.}\) Uma extensão de corpos \(E\) de \(F\) é um corpo de decomposição de \(p(x)\) se existem \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\) em \(E\) tais que \(E = F( \alpha_1, \ldots, \alpha_n )\) e
Um polinômio \(p(x) \in F[x]\) se decompõe em \(E\) se é produto de fatores lineares em \(E[x]\text{.}\)
Exemplo 21.2.1.
Seja \(p(x) = x^4 + 2x^2 - 8\) em \({\mathbb Q}[x]\text{.}\) Então \(p(x)\) tem fatores irredutíveis \(x^2 -2\) e \(x^2 + 4\text{.}\) Portanto, o corpo \({\mathbb Q}( \sqrt{2}, i )\) é um corpo de decomposição para \(p(x)\text{.}\)
Exemplo 21.2.2.
Seja \(p(x) = x^3 -3\) em \({\mathbb Q}[x]\text{.}\) Então \(p(x)\) tem uma raiz no corpo \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{3}\, )\text{.}\) No entanto, este corpo não é um corpo de decomposição para \(p(x)\) pois as raízes cúbicas complexas de 3,
não estão em \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{3}\, )\text{.}\)
Teorema 21.2.3.
Seja \(p(x) \in F[x]\) um polinômio não constante. Então há um corpo de decomposição \(E\) para \(p(x)\text{.}\)
Demonstração.
Procederemos por indução sobre o grau de \(p(x)\text{.}\) Se \(\deg p(x) = 1\text{,}\) então \(p(x)\) é um polinômio linear e \(E = F\text{.}\) Suponha que o teorema é verdadeiro para todos os polinômios de grau \(k\) com \(1 \leq k \lt n\) e seja \(\deg p(x) = n\text{.}\) Podemos supor que \(p(x)\) é irredutível; caso contrário, pela hipótese de indução, provamos sua veracidade. Pelo Teorema 21.1.5, há um corpo \(K\) tal que \(p(x)\) tem uma raiz \(\alpha_1\) em \(K\text{.}\) Logo, \(p(x) = (x - \alpha_1)q(x)\text{,}\) com \(q(x) \in K[x]\text{.}\) Como \(\deg q(x) = n -1\text{,}\) há um corpo de decomposição \(E \supset K\) para \(q(x)\) que contém los zeros \(\alpha_2, \ldots, \alpha_n\) de \(p(x)\) pela hipótese de indução. Portanto,
é um corpo de decomposição para \(p(x)\text{.}\)
Surge agora a pergunta sobre a unicidade do corpo de decomposição. Esta pergunta tem resposta afirmativa. Dados dois corpos de decomposição \(K\) e \(L\) de um polinômio \(p(x) \in F[x]\text{,}\) há um isomorfismo de corpos \(\phi : K \rightarrow L\) que preserve \(F\text{.}\) Para demonstrar este resultado, começaremos com um lema.
Lema 21.2.4.
Seja \(\phi : E \rightarrow F\) um isomorfismo de corpos. Seja \(K\) uma extensão de corpos de \(E\) e \(\alpha \in K\) algébrico sobre \(E\) com polinômio minimal \(p(x)\text{.}\) Suponha que \(L\) é uma extensão de corpos de \(F\) tal que \(\beta\) é raiz do polinômio em \(F[x]\) obtido a partir de \(p(x)\) como imagem por \(\phi\text{.}\) Então \(\phi\) se estende a um único isomorfismo \(\overline{\phi} : E( \alpha ) \rightarrow F( \beta )\) tal que \(\overline{\phi}( \alpha ) = \beta\) e \(\overline{\phi}\) coincide com \(\phi\) em \(E\text{.}\)
Demonstração.
Se \(p(x)\) tem grau \(n\text{,}\) então pelo Teorema 21.1.13 podemos escrever qualquer elemento em \(E( \alpha )\) como combinação linear de \(1, \alpha, \ldots, \alpha^{n - 1}\text{.}\) Portanto, o isomorfismo que buscamos deve ser
donde
é um elemento em \(E(\alpha)\text{.}\) O fato de que \(\overline{\phi}\) seja um isomorfismo pode se verificar de forma direta; todavia, é mais fácil notar que \(\overline{\phi}\) é uma composição de função que já sabemos que são homomorfismos.
Podemos estender \(\phi\) a um isomorfismo de \(E[x]\) a \(F[x]\text{,}\) que também denotaremos por \(\phi\text{,}\) fazendo
Esta extensão coincide com o isomorfismo original \(\phi : E \rightarrow F\text{,}\) pois os polinômios constantes são enviados a polinômios constantes. Por hipóteses, \(\phi(p(x)) = q(x)\text{;}\) logo, \(\phi\) envia \(\langle p(x) \rangle\) em \(\langle q(x) \rangle\text{.}\) Portanto, temos um isomorfismo \(\psi : E[x] / \langle p(x) \rangle \rightarrow F[x]/\langle q(x) \rangle\text{.}\) Pela Proposição 21.1.12, temos isomorfismos \(\sigma: E[x]/\langle p(x) \rangle \rightarrow E(\alpha)\) e \(\tau : F[x]/\langle q(x) \rangle \rightarrow F( \beta )\text{,}\) definidos pela avaliação em \(\alpha\) e \(\beta\text{,}\) respetivamente. Portanto, \(\overline{\phi} = \tau \psi \sigma^{-1}\) é o isomorfismo requerido.
Deixamos a demonstração da unicidade como exercício.
Teorema 21.2.5.
Seja \(\phi : E \rightarrow F\) um isomorfismo de corpos e seja \(p(x)\) um polinômio no constante em \(E[x]\) e \(q(x)\) o correspondente polinômio em \(F[x]\) sub o isomorfismo. Se \(K\) é um corpo de decomposição para \(p(x)\) e \(L\) é um corpo de decomposição para \(q(x)\text{,}\) então \(\phi\) se estende a um isomorfismo \(\psi : K \rightarrow L\text{.}\)
Demonstração.
Procederemos por indução no grau de \(p(x)\text{.}\) Podemos supor que \(p(x)\) é irredutível sobre \(E\text{.}\) Portanto, \(q(x)\) também é irredutível sobre \(F\text{.}\) Se \(\deg p(x) = 1\text{,}\) então pela definição de corpo de descomposição, \(K = E\) e \(L = F\) e não há nada que demonstrar.
Supomos que o teorema vale para todos os polinômios de grau menor a \(n\text{.}\) Como \(K\) é um corpo de descomposição para \(p(x)\text{,}\) todas a raízes de \(p(x)\) estão em \(K\text{.}\) Digamos que \(\alpha\) é uma dessas raízes, tal que \(E \subset E( \alpha ) \subset K\text{.}\) De forma similar, podemos encontrar uma raiz \(\beta\) de \(q(x)\) em \(L\) tal que \(F \subset F( \beta) \subset L\text{.}\) Pelo Lema 21.2.4, há um isomorfismo \(\overline{\phi} : E(\alpha ) \rightarrow F( \beta)\) tal que \(\overline{\phi}( \alpha ) = \beta\) e \(\overline{\phi}\) coincide com \(\phi\) em \(E\text{.}\)
Escrevemos agora \(p(x) = (x - \alpha ) f(x)\) e \(q(x) = ( x - \beta) g(x)\text{,}\) donde os graus de \(f(x)\) e \(g(x)\) são menores que os graus de \(p(x)\) e \(q(x)\text{,}\) respetivamente. A extensão \(K\) é um corpo de decomposição para \(f(x)\) sobre \(E( \alpha)\text{,}\) e \(L\) é um corpo de decomposição para \(g(x)\) sobre \(F( \beta )\text{.}\) Pela hipótese de indução há um isomorfismo \(\psi : K \rightarrow L\) tal que \(\psi\) coincide com \(\overline{\phi}\) em \(E( \alpha)\text{.}\) Logo, há um isomorfismo \(\psi : K \rightarrow L\) tal que \(\psi\) coincide com \(\phi\) em \(E\text{.}\)
Corolário 21.2.6.
Seja \(p(x)\) um polinômio em \(F[x]\text{.}\) Então há um corpo de decomposição \(K\) para \(p(x)\) que é único com exceção do isomorfismo.