Seção 21.1 Extensões de corpos
Um corpo \(E\) é uma extensão de corpos de um corpo \(F\) se \(F\) é um subcorpo de \(E\text{.}\) O corpo \(F\) se chama corpo base. Escrevemos \(F \subset E\text{.}\)
Exemplo 21.1.1.
Por exemplo, seja
e seja \(E = {\mathbb Q }( \sqrt{2} + \sqrt{3}\,)\) o menor corpo que contém \({\mathbb Q}\) e \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\text{.}\) Tanto \(E\) como \(F\) são extensões dos números racionais. Afirmamos que \(E\) é uma extensão do corpo \(F\text{.}\) Para ver isto, só precisamos mostrar que \(\sqrt{2}\) está em \(E\text{.}\) Como \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\) está em \(E\text{,}\) \(1 / (\sqrt{2} + \sqrt{3}\,) = \sqrt{3} - \sqrt{2}\) também deve estar em \(E\text{.}\) Tomando combinações lineares de \(\sqrt{2} + \sqrt{3}\) e \(\sqrt{3} - \sqrt{2}\text{,}\) encontramos que tanto \(\sqrt{2}\) como \(\sqrt{3}\) devem estar em \(E\text{.}\)
Exemplo 21.1.2.
Seja \(p(x) = x^2 + x + 1 \in {\mathbb Z}_2[x]\text{.}\) Como nem 0 nem 1 é uma raiz deste polinômio, sabemos que \(p(x)\) é irredutível sobre \({\mathbb Z}_2\text{.}\) Construiremos uma extensão do corpo \({\mathbb Z}_2\) que contenha um elemento \(\alpha\) tal que \(p(\alpha) = 0\text{.}\) Pelo Teorema 17.3.12, o ideal \(\langle p(x) \rangle\) gerado por \(p(x)\) é máximo; logo, \({\mathbb Z}_2[x] / \langle p(x) \rangle\) é um corpo. Seja \(f(x) + \langle p(x) \rangle\) um elemento arbitrário de \({\mathbb Z}_2[x] / \langle p(x) \rangle\text{.}\) Pelo algoritmo de divisão,
donde o grau de \(r(x)\) é menor que o grau de \(x^2 + x + 1\text{.}\) Portanto,
Dessa forma, as únicas possibilidades para \(r(x)\) são \(0\text{,}\) \(1\text{,}\) \(x\text{,}\) e \(1 + x\text{.}\) Consequentemente, \(E = {\mathbb Z}_2[x] / \langle x^2 + x + 1 \rangle\) é um corpo com quatro elementos e deve ser uma extensão de \({\mathbb Z}_2\text{,}\) que contém um zero \(\alpha\) de \(p(x)\text{.}\) O corpo \({\mathbb Z}_2( \alpha)\) consiste dos elementos
Notemos que \({\alpha}^2 + {\alpha} + 1 = 0\text{;}\) daqui, se calcularmos \((1 + \alpha)^2\text{,}\)
Outros cálculos se realizam de forma similar. Resumimos esses resultados nas seguintes tabelas, que nos dizem como somar e multiplicar elementos em \(E\text{.}\)
O seguinte teorema, de Kronecker, é tão importante e básico para nossa compreensão dos corpos que frequentemente é conhecido como Teorema Fundamental da Teoria dos Corpos.
Teorema 21.1.5.
Seja \(F\) um corpo e seja \(p(x)\) um polinômio não constante em \(F[x]\text{.}\) Então existe um corpo de extensão \(E\) de \(F\) e um elemento \(\alpha \in E\) tal que \(p(\alpha) = 0\text{.}\)
Demonstração.
Para demonstrar este teorema, usaremos o método usado no Exemplo 21.1.2. Claramente, podemos supor que \(p(x)\) é um polinômio irredutível. Queremos encontrar uma extensão \(E\) de \(F\) que contenha um elemento \(\alpha\) tal que \(p(\alpha) = 0\text{.}\) O ideal \(\langle p(x) \rangle\) gerado por \(p(x)\) é um ideal máximo em \(F[x]\) pelo Teorema 17.3.12; logo, \(F[x]/\langle p(x) \rangle\) é um corpo. Afirmamos que \(E = F[x]/\langle p(x) \rangle\) é o corpo buscado.
Demonstraremos primeiro que \(E\) é uma extensão de \(F\text{.}\) Podemos definir um homomorfismo de anéis comutativos \(\psi:F \rightarrow F[x]/\langle p(x) \rangle\text{,}\) donde \(\psi(a) = a + \langle p(x)\rangle\) para \(a \in F\text{.}\) É fácil verificar que \(\psi\) é realmente um homomorfismo de anéis. Observe que
e
Para demonstrar que \(\psi\) é 1-1, suponhamos que
Então \(a - b\) é um múltiplo de \(p(x)\text{,}\) dado que está no ideal \(\langle p(x) \rangle\text{.}\) Como \(p(x)\) é um polinômio não constante, a única possibilidade é que \(a - b = 0\text{.}\) Portanto, \(a = b\) e \(\psi\) é injetivo. Como \(\psi\) é 1-1, podemos identificar \(F\) com o subcorpo \(\{ a + \langle p(x) \rangle : a \in F \}\) de \(E\) e ver \(E\) como um corpo de extensão de \(F\text{.}\)
Falta demonstrar que \(p(x)\) tem um zero \(\alpha \in E\text{.}\) Seja \(\alpha = x + \langle p(x) \rangle\text{.}\) Então \(\alpha\) pertence a \(E\text{.}\) Se \(p(x) = a_0 + a_1 x + \cdots + a_n x^n\text{,}\) então
Portanto, encontramos um elemento \(\alpha \in E = F[x]/\langle p(x) \rangle\) tal que \(\alpha\) é um zero de \(p(x)\text{.}\)
Exemplo 21.1.6.
Seja \(p(x) = x^5 + x^4 + 1 \in {\mathbb Z}_2[x]\text{.}\) Então \(p(x)\) tem fatores irredutíveis \(x^2 + x + 1\) e \(x^3 + x + 1\text{.}\) Para um corpo de extensão \(E\) de \({\mathbb Z}_2\) tal que \(p(x)\) tenha uma raiz em \(E\text{,}\) podemos tomar \(E\) como \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^2 + x + 1 \rangle\) o como \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^3 + x + 1 \rangle\text{.}\) Deixaremos de exercício mostrar que \({\mathbb Z}_2[x] / \langle x^3 + x + 1 \rangle\) é um corpo com \(2^3=8\) elementos.
Subseção 21.1.1 Elementos Algébricos
Um elemento \(\alpha\) em uma extensão de corpos \(E\) sobre \(F\) é algébrico sobre \(F\) se \(f(\alpha)=0\) para algum polinômio não nulo \(f(x) \in F[x]\text{.}\) Um elemento em \(E\) que não é algébrico sobre \(F\) é transcendente sobre \(F\text{.}\) Um corpo de extensão \(E\) de um corpo \(F\) é uma extensão algébrica de \(F\) se cada elemento em \(E\) é algébrico sobre \(F\text{.}\) Se \(E\) é uma extensão de corpos de \(F\) e \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\) estão contidos em \(E\text{,}\) denotamos por \(F( \alpha_1, \ldots, \alpha_n)\) o menor corpo que contém \(F\) e \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\text{.}\) Se \(E = F( \alpha )\) para certo \(\alpha \in E\text{,}\) então \(E\) é uma extensão simples de \(F\text{.}\)
Exemplo 21.1.7.
Tanto \(\sqrt{2}\) como \(i\) são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) pois são zeros dos polinômios \(x^2 -2\) e \(x^2 + 1\text{,}\) respetivamente. Claramente \(\pi\) e \(e\) são algébricos sobre os números reais; porém, não é trivial que sejam transcendentes sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Números em \({\mathbb R}\) que são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) são a minoria. Quase todos os números reais são transcendentes sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) 1 (Em muitos casos não se sabe se um número específico é transcendente ou não; por exemplo ainda não se sabe se \(\pi + e\) é transcendente ou algébrico.)
Um número complexo que seja algébrico sobre \({\mathbb Q}\) é um número algébrico. Um número transcendente é um elemento de \({\mathbb C}\) que é transcendente sobre \({\mathbb Q}\text{.}\)
Exemplo 21.1.8.
Mostraremos que \(\sqrt{2 + \sqrt{3} }\) é algébrico sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Se \(\alpha = \sqrt{2 + \sqrt{3} }\text{,}\) então \(\alpha^2 = 2 + \sqrt{3}\text{.}\) Portanto, \(\alpha^2 - 2 = \sqrt{3}\) e \(( \alpha^2 - 2)^2 = 3\text{.}\) Como \(\alpha^4 - 4 \alpha^2 + 1 = 0\text{,}\) deve ser verdade que \(\alpha\) é um zero do polinômio \(x^4 - 4 x^2 + 1 \in {\mathbb Q}[x]\text{.}\)
É muito fácil dar um exemplo de uma extensão de corpos \(E\) sobre um corpo \(F\text{,}\) tal que \(E\) contenha um elemento transcendente sobre \(F\text{.}\) O seguinte teorema caracteriza as extensões transcendentais.
Teorema 21.1.9.
Seja \(E\) um corpo de extensão de \(F\) e \(\alpha \in E\text{.}\) Então \(\alpha\) é transcendente sobre \(F\) se e somente se \(F( \alpha )\) é isomorfo com relação a \(F(x)\text{,}\) o corpo de frações de \(F[x]\text{.}\)
Demonstração.
Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação em \(\alpha\text{.}\) Então \(\alpha\) é transcendente sobre \(F\) se e somente se \(\phi_{\alpha} (p(x)) = p(\alpha) \neq 0\) para todo polinômio não constante \(p(x) \in F[x]\text{.}\) Isto é verdadeiro se e somente sr \(\ker \phi_{\alpha} = \{ 0 \}\text{;}\) isso é, é verdadeiro precisamente quando \(\phi_{\alpha}\) é 1-1. Logo, \(E\) deve conter uma cópia de \(F[x]\text{.}\) O menor corpo que contem a \(F[x]\) é o corpo de frações \(F(x)\text{.}\) Pelo Teorema 18.1.4, \(E\) deve conter uma cópia deste corpo.
Temos uma situação mais interessante para o caso das extensões algébricas.
Teorema 21.1.10.
Seja \(E\) uma extensão de um corpo \(F\) e \(\alpha \in E\) com \(\alpha\) algébrico sobre \(F\text{.}\) Então há um único polinômio mônico e irredutível \(p(x) \in F[x]\) tal que \(p( \alpha ) = 0\text{.}\) Se \(f(x)\) é outro polinômio em \(F[x]\) tal que \(f(\alpha) = 0\text{,}\) então \(p(x)\) divide \(f(x)\text{.}\)
Demonstração.
Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação. O núcleo de \(\phi_{\alpha}\) é um ideal principal gerado por algum polinômio \(p(x) \in F[x]\) com \(\deg p(x) \geq 1\text{.}\) Sabemos que tal polinômio existe, pois \(F[x]\) é um domínio de ideais principais e \(\alpha\) é algébrico. O ideal \(\langle p(x) \rangle\) consiste exatamente daqueles elementos de \(F[x]\) que têm a \(\alpha\) como zero. Se \(f( \alpha ) = 0\) e \(f(x)\) não é o polinômio nulo, então \(f(x) \in \langle p(x) \rangle\) e \(p(x)\) divide \(f(x)\text{.}\) Assim \(p(x)\) é um polinômio de grau mínimo que tem em \(\alpha\) um zero. Qualquer outro polinômio do mesmo grau que se anule em \(\alpha\) deve ser da forma \(\beta p( x)\) para certo \(\beta \in F\text{.}\)
Suponha agora que \(p(x) = r(x) s(x)\) é uma fatoração de \(p(x)\) em fatores de grau menor. Como \(p( \alpha ) = 0\text{,}\) \(r( \alpha ) s( \alpha ) = 0\text{;}\) teremos que, \(r( \alpha )=0\) ou \(s( \alpha ) = 0\text{,}\) que contradiz o fato de que \(p\) é de grau mínimo. Portanto, \(p(x)\) deve ser irredutível.
Seja \(E\) uma extensão do corpo \(F\) e \(\alpha \in E\) um elemento algébrico sobre \(F\text{.}\) O polinômio mônico único \(p(x)\) do teorema anterior se chama polinômio minimal de \(\alpha\) sobre \(F\text{.}\) O grau de \(p(x)\) é o grau de \(\alpha\) sobre \(F\).
Exemplo 21.1.11.
Seja \(f(x) = x^2 - 2\) e \(g(x) = x^4 - 4 x^2 + 1\text{.}\) Esses são os polinômios minimais de \(\sqrt{2}\) e \(\sqrt{2 + \sqrt{3} }\text{,}\) respetivamente.
Proposição 21.1.12.
Seja \(E\) uma extensão do corpo \(F\) e \(\alpha \in E\) algébrico sobre \(F\text{.}\) Então \(F( \alpha ) \cong F[x] / \langle p(x) \rangle\text{,}\) donde \(p(x)\) é o polinômio minimal de \(\alpha\) sobre \(F\text{.}\)
Demonstração.
Seja \(\phi_{\alpha} : F[x] \rightarrow E\) o homomorfismo de avaliação. O núcleo desta função é \(\langle p(x) \rangle\text{,}\) donde \(p(x)\) é o polinômio minimal de \(\alpha\text{.}\) Pelo Primeiro Teorema de Isomorfia de anéis, a imagem de \(\phi_{\alpha}\) em \(E\) é isomorfa com relação a \(F( \alpha )\) pois contém tanto \(F\) como \(\alpha\text{.}\)
Teorema 21.1.13.
Seja \(E = F( \alpha )\) uma extensão simples de \(F\text{,}\) com \(\alpha \in E\) algébrico sobre \(F\text{.}\) Suponha que o grau de \(\alpha\) sobre \(F\) é \(n\text{.}\) Então todo elemento \(\beta \in E\) pode ser expressado de forma única como
com \(b_i \in F\text{.}\)
Demonstração.
Dado que \(\phi_{\alpha} ( F[x] ) \cong F( \alpha )\text{,}\) todo elemento em \(E = F( \alpha )\) deve ser da forma \(\phi_{\alpha} ( f(x) ) = f( \alpha )\text{,}\) donde \(f(\alpha)\) é um polinômio em \(\alpha\) com coeficientes em \(F\text{.}\) Seja
o polinômio minimal de \(\alpha\text{.}\) Então \(p( \alpha ) = 0\text{;}\) logo,
Similarmente,
Continuando desta maneira, podemos expressar qualquer monômio \({\alpha}^m\text{,}\) \(m \geq n\text{,}\) como combinação linear de potências de \({\alpha}\) menores que \(n\text{.}\) Portanto, qualquer \(\beta \in F( \alpha )\) pode ser escrito como
Para mostrar a unicidade, suponha que
para \(b_i\) e \(c_i\) em \(F\text{.}\) Então
está em \(F[x]\) e \(g( \alpha ) = 0\text{.}\) Como o grau de \(g(x)\) é menor que o grau de \(p( x )\text{,}\) o polinômio irredutível de \(\alpha\text{,}\) \(g(x)\) deve ser o polinômio nulo. Concluímos,
é dizer, \(b_i = c_i\) para \(i = 0, 1, \ldots, n-1\text{.}\) Demonstramos a unicidade.
Exemplo 21.1.14.
Como \(x^2 + 1\) é irredutível sobre \({\mathbb R}\text{,}\) \(\langle x^2 + 1 \rangle\) é um ideal máximo em \({\mathbb R}[x]\text{.}\) Assim \(E = {\mathbb R}[x]/\langle x^2 + 1 \rangle\) é uma extensão de corpos de \({\mathbb R}\) que contém una raiz de \(x^2 + 1\text{.}\) Seja \(\alpha = x + \langle x^2 + 1 \rangle\text{.}\) Podemos identificar \(E\) com os números complexos. Pela Proposição 21.1.12, \(E\) é isomorfo a \({\mathbb R}( \alpha ) = \{ a + b \alpha : a, b \in {\mathbb R} \}\text{.}\) Sabemos que \(\alpha^2 = -1\) está em \(E\text{,}\) dado que
Logo, temos um isomorfismo de \({\mathbb R}( \alpha )\) com \({\mathbb C}\) definido pela função que envia \(a + b \alpha\) para \(a + bi\text{.}\)
Seja \(E\) uma extensão de um corpo \(F\text{.}\) Se consideramos \(E\) como um espaço vetorial sobre \(F\text{,}\) então podemos usar toda a maquinaria de álgebra linear para trabalhar com problemas que encontraremos em nosso estudo de corpos. Os elementos no corpo \(E\) são vetores; os elementos no corpo \(F\) são escalares. Podemos pensar na adição em \(E\) como uma soma de vetores. Quando multiplicamos um elemento em \(E\) por um elemento de \(F\text{,}\) estamos multiplicando um vetor por um escalar. Este ponto de vista para as extensões de corpos é especialmente frutífero se una extensão \(E\) de \(F\) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre \(F\text{,}\) e o Teorema 21.1.13 diz que \(E = F(\alpha )\) é de dimensão finita sobre \(F\) com base \(\{ 1, \alpha, {\alpha}^2, \ldots, {\alpha}^{n - 1} \}\text{.}\)
Se um corpo de extensão \(E\) de um corpo \(F\) é um espaço vetorial sobre \(F\) de dimensão finita \(n\text{,}\) então diremos que \(E\) é uma extensão de grau finito \(n\) sobre \(F\). Escrevemos
para indicar a dimensão de \(E\) sobre \(F\text{.}\)
Teorema 21.1.15.
Toda extensão finita \(E\) de um corpo \(F\) é uma extensão algébrica.
Demonstração.
Seja \(\alpha \in E\text{.}\) Como \([E:F] = n\text{,}\) os elementos
não podem ser linearmente independentes. Logo existem \(a_i \in F\text{,}\) não todos zero, tais que
Portanto,
é um polinômio não nulo com \(p( \alpha ) = 0\text{.}\)
Nota 21.1.16.
Teorema 21.1.15 diz que toda extensão finita de um corpo \(F\) é uma extensão algébrica. No entanto, o recíproco é falso. Deixaremos como um exercício demonstrar que o conjunto de todos os elementos em \({\mathbb R}\) que são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) formam uma extensão infinita de \({\mathbb Q}\text{.}\)
O seguinte teorema é um teorema de contagem, similar com Teorema de Lagrange em teoria de grupos. Teorema 21.1.17 provará uma ferramenta de grande utilidade em nossa investigação de extensões finitas de corpos.
Teorema 21.1.17.
Se \(E\) é uma extensão finita de \(F\text{,}\) e \(K\) é uma extensão finita de \(E\text{,}\) então \(K\) é uma extensão finita de \(F\) e
Demonstração.
Seja \(\{ \alpha_1, \ldots, \alpha_n \}\) uma base para \(E\) tal que este seja um espaço vetorial sobre \(F\) e seja \(\{ \beta_1, \ldots, \beta_m \}\) uma base para \(K\) tal que este seja um espaço vetorial sobre \(E\text{.}\) Afirmamos que \(\{ \alpha_i \beta_j \}\) é uma base para \(K\) sobre \(F\text{.}\) Provaremos primeiro que esses vetores geram \(K\text{.}\) Seja \(u \in K\text{.}\) Então \(u = \sum_{j = 1}^{m} b_j \beta_j\) e \(b_j = \sum_{i = 1}^{n} a_{ij} \alpha_i\text{,}\) donde \(b_j \in E\) e \(a_{ij} \in F\text{.}\) Então
Assim os \(mn\) vetores \(\alpha_i \beta_j\) geram \(K\) sobre \(F\text{.}\)
Devemos mostrar que os \(\alpha_i \beta_j \) são linearmente independentes. Recorde que um conjunto de vetores \(\{v_1, v_2, \ldots, v_n\}\) em um espaço vetorial \(V\) é linearmente independente se
implica que
Seja
para \(c_{ij} \in F\text{.}\) Devemos demonstrar que todos os \(c_{ij}\)'s são zero. Podemos reescrever \(u\) como
donde \(\sum_i c_{ij} \alpha_i \in E\text{.}\) Como os \(\beta_j\) são linearmente independentes sobre \(E\text{,}\) deve ser o caso em que
para todo \(j\text{.}\) No entanto, os \(\alpha_j\) também são linearmente independentes sobre \(F\text{.}\) Portanto, \(c_{ij} = 0\) para todo \(i\) e \(j\text{,}\) o que completa a demonstração.
O seguinte corolário se demonstra facilmente por indução.
Corolário 21.1.18.
Se \(F_i\) são corpos para \(i = 1, \dots, k\) e \(F_{i+1}\) é uma extensão finita de \(F_i\text{,}\) então \(F_k\) é uma extensão finita de \(F_1\) e
Corolário 21.1.19.
Seja \(E\) uma extensão de corpos de \(F\text{.}\) Se \(\alpha \in E\) é algébrico sobre \(F\) com polinômio minimal \(p(x)\) e \(\beta \in F( \alpha )\) com polinômio minimal \(q(x)\text{,}\) então \(\deg q(x)\) divide \(\deg p(x)\text{.}\)
Demonstração.
Sabemos que \(\deg p(x) = [F( \alpha ) : F ]\) e \(\deg q(x) = [F( \beta ) : F ]\text{.}\) Como \(F \subset F( \beta ) \subset F( \alpha )\text{,}\)
Exemplo 21.1.20.
Determinemos uma extensão de corpos de \({\mathbb Q}\) que contenha \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\text{.}\) É fácil determinar que o polinômio minimal de \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\) é \(x^4 - 16 x^2 + 4\text{.}\) Segue que
Sabemos que \(\{ 1, \sqrt{3}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Logo, \(\sqrt{3} + \sqrt{5}\) não pode estar em \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\text{.}\) Segue que \(\sqrt{5}\) também não pode estar em \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\text{.}\) Portanto, \(\{ 1, \sqrt{5}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}, \sqrt{5}\, ) = ( {\mathbb Q}(\sqrt{3}\, ))( \sqrt{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}( \sqrt{3}\, )\) e \(\{ 1, \sqrt{3}, \sqrt{5}, \sqrt{3} \sqrt{5} = \sqrt{15}\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt{3}, \sqrt{5}\, ) = {\mathbb Q}( \sqrt{3} + \sqrt{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Este exemplo mostra que é possível que certa extensão \(F( \alpha_1, \ldots, \alpha_n )\) seja realmente uma extensão simples de \(F\) ainda que \(n \gt 1\text{.}\)
Exemplo 21.1.21.
Calculemos uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5} \, i )\text{,}\) donde \(\sqrt{5}\) é a raiz quadrada positiva de 5 e \(\sqrt[3]{5}\) é a raiz cúbica real de 5. Sabemos que \(\sqrt{5} \, i \notin {\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}\, )\text{,}\) então
É fácil determinar que \(\{ 1, \sqrt{5}i\, \}\) é uma base para \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\) sobre \({\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}\, )\text{.}\) Também sabemos que \(\{ 1, \sqrt[3]{5}, (\sqrt[3]{5}\, )^2 \}\) é uma base para \({\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}\, )\) sobre \({\mathbb Q}\text{.}\) Logo, uma base para \({\mathbb Q}(\sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\) sobre \({\mathbb Q}\) é
Notemos que \(\sqrt[6]{5}\, i\) é um zero de \(x^6 + 5\text{.}\) Podemos demonstrar que este polinômio é irredutível sobre \({\mathbb Q}\) usando o Critério de Eisenstein, com \(p = 5\text{.}\) Portanto,
Mas deve ser o caso que \({\mathbb Q}( \sqrt[6]{5}\, i) = {\mathbb Q}( \sqrt[3]{5}, \sqrt{5}\, i )\text{,}\) dado que ambas são extensões de grau 6.
Teorema 21.1.22.
Seja \(E\) uma extensão de corpos de \(F\text{.}\) Então as seguintes afirmações são equivalentes.
\(E\) é uma extensão finita de \(F\text{.}\)
Existe um número finito de elementos algébricos \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n \in E\) tais que \(E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n)\text{.}\)
-
Existe uma sequência de corpos
\begin{equation*} E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n) \supset F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{n-1} ) \supset \cdots \supset F( \alpha_1 ) \supset F, \end{equation*}donde cada corpo \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i)\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i-1})\text{.}\)
Demonstração.
(1) \(\Rightarrow\) (2). Seja \(E\) uma extensão algébrica finita de \(F\text{.}\) Então \(E\) é um espaço vetorial de dimensão finita sobre \(F\) e existe uma base que consiste de elementos \(\alpha_1, \ldots, \alpha_n\) em \(E\) tais que \(E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n)\text{.}\) Cada \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F\) pelo Teorema 21.1.15.
(2) \(\Rightarrow\) (3). Suponha que \(E = F(\alpha_1, \ldots, \alpha_n)\text{,}\) donde cada \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F\text{.}\) Então
donde cada corpo \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i)\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{.}\)
(3) \(\Rightarrow\) (1). Seja
donde cada corpo \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_i)\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{.}\) Como
é uma extensão simples e \(\alpha_i\) é algébrico sobre \(F(\alpha_1, \ldots, \alpha_{i - 1})\text{,}\) segue que
é finita para cada \(i\text{.}\) Portanto, \([E : F]\) é finita.
Subseção 21.1.2 Fechamento Algébrica
Dado um corpo \(F\text{,}\) surge a pergunta sobre se é possível encontrar um corpo \(E\) tal que todo polinômio \(p(x)\) tenha uma raiz em \(E\text{.}\) Isto nos leva ao seguinte teorema.
Teorema 21.1.23.
Seja \(E\) um corpo de extensão de \(F\text{.}\) O conjunto dos elementos de \(E\) que são algébricos sobre \(F\) formam um corpo.
Demonstração.
Sejam \(\alpha, \beta \in E\) algébricos sobre \(F\text{.}\) Então \(F( \alpha, \beta )\) é uma extensão finita de \(F\text{.}\) Como todo elemento de \(F( \alpha, \beta )\) é algébrico sobre \(F\text{,}\) \(\alpha \pm \beta\text{,}\) \(\alpha \beta\text{,}\) e \(\alpha / \beta\) (\(\beta \neq 0\)) são todos algébricos sobre \(F\text{.}\) Portanto, o conjunto dos elementos em \(E\) que são algébricos sobre \(F\) forma um corpo.
Corolário 21.1.24.
O conjunto de todos os números algébricos forma um corpo; isso é, o conjunto de todos os números complexos que são algébricos sobre \({\mathbb Q}\) constitui um corpo.
Seja \(E\) uma extensão de corpos de um corpo \(F\text{.}\) Definimos o fechamento algébrico de um corpo \(F\) em \(E\) como o corpo que consiste de todos os elementos em \(E\) que são algébricos sobre \(F\text{.}\) Um corpo \(F\) é algebricamente fechado se todo polinômio não constante em \(F[x]\) tem uma raiz em \(F\text{.}\)
Teorema 21.1.25.
Um corpo \(F\) é algebricamente fechado se e somente se todo polinômio não constante em \(F[x]\) se fatoriza em fatores lineares sobre \(F[x]\text{.}\)
Demonstração.
Seja \(F\) um corpo algebricamente fechado. Se \(p(x) \in F[x]\) é um polinômio não constante, então \(p(x)\) tem uma raiz em \(F\text{,}\) digamos \(\alpha\text{.}\) Logo, \(x-\alpha\) deve ser um fator de \(p(x)\) de maneira que \(p(x) = (x - \alpha) q_1(x)\text{,}\) donde \(\deg q_1(x) = \deg p(x) - 1\text{.}\) Continue este processo com \(q_1(x)\) para encontrar a fatoração
donde \(\deg q_2(x) = \deg p(x) -2\text{.}\) Este processo deve terminar em algum momento pois o grau de \(p(x)\) é finito.
Reciprocamente, suponha que todo polinômio não constante \(p(x)\) em \(F[x]\) se fatoriza como produto de fatores lineares. Seja \(ax - b\) um desses fatores. Então \(p( b/a) = 0\text{.}\) Logo, \(F\) é algebricamente fechado.
Corolário 21.1.26.
Um corpo algebricamente fechado \(F\) não tem extensões algébricas \(E\) com \(E\neq F\text{.}\)
Demonstração.
Seja \(E\) uma extensão algébrica de \(F\text{;}\) Então \(F \subset E\text{.}\) Para \(\alpha \in E\text{,}\) o polinômio minimal de \(\alpha\) é \(x - \alpha\text{.}\) Portanto, \(\alpha \in F\) e \(F = E\text{.}\)
Teorema 21.1.27.
Todo corpo \(F\) tem um único fechamento algébrico.
É um fato não trivial que todo corpo tenha um único fechamento algébrica. A demonstração não é muito difícil, mas requer algumas ferramentas mais sofisticadas de teoria de conjuntos. O leitor interessado pode encontrar uma demonstração deste fato em [3], [4], o [8].
Enunciamos agora o Teorema Fundamental da Álgebra, demonstrado primeiramente por Gauss aos 22 anos de idade em sua tese de doutorado. Este teorema diz que todo polinômio com coeficientes nos números complexos tem uma raiz nos números complexos. A demonstração deste teorema se dará no Capítulo 23.
Teorema 21.1.28. Teorema Fundamental da Álgebra.
O corpo dos números complexos é algebricamente fechado.