Seção 17.2 O Algoritmo de Divisão
Recorde que o algoritmo de divisão para inteiros (Teorema 2.2.1) diz que se \(a\) e \(b\) são inteiros com \(b \gt 0\text{,}\) então existem únicos inteiros \(q\) e \(r\) tais que \(a = bq+r\text{,}\) com \(0 \leq r \lt b\text{.}\) Um teorema similar existe para polinômios. O algoritmo de divisão para polinômios tem várias consequências importantes. Como sua demonstração é muito similar a demonstração correspondente para os inteiros, fica conveniente revisar o Teorema 2.2.1 antes de continuar.
Teorema 17.2.1. Algoritmo de Divisão.
Sejam \(f(x)\) e \(g(x)\) polinômios em \(F[x]\text{,}\) donde \(F\) é um corpo e \(g(x)\) é um polinômio distinto de zeor. Então existem polinômios únicos \(q(x), r(x) \in F[x]\) tais que
com \(\deg r(x) \lt \deg g(x)\) ou \(r(x)=0\text{.}\)
Demonstração.
Primeiro demonstraremos a existência de \(q(x)\) e \(r(x)\text{.}\) Se \(f(x)\) é o polinômio zero, então
logo, tanto \(q\) como \(r\) também são o polinômio zero. Agora suponha que \(f(x)\) não é polinômio zero é o polinômio zero e que \(\deg f(x) = n\) e \(\deg g(x) = m\text{.}\) Se \(m \gt n\text{,}\) então \(q(x) = 0\) e \(r(x) = f(x)\text{.}\) Podemos agora supor que \(m \leq n\) e continuar por indução em \(n\text{.}\) Se
então o polinômio
tem grau menor que \(n\) ou é o polinômio zero. Pela hipótese de indução, existem polinômios \(q'(x)\) e \(r(x)\) tais que
donde \(r(x) = 0\) ou o grau de \(r(x)\) é o menor grau de \(g(x)\text{.}\) Agora, seja
Então
com \(r(x)\) o polinômio zero ou \(\deg r(x) \lt \deg g(x)\text{.}\)
Para mostrar que \(q(x)\) e \(r(x)\) são únicos, suponha que além disso existem \(q_1(x)\) e \(r_1(x)\) tais que \(f(x) = g(x) q_1(x) + r_1(x)\) com \(\deg r_1(x) \lt \deg g(x)\) ou \(r_1(x) = 0\text{,}\) de maneira que
e
Se \(g(x)\) não é o polinômio zero, então
Mas, os graus tanto de \(r(x)\) como de \(r_1(x)\) são estritamente menores que o grau de \(g(x)\text{;}\) portanto, \(r(x) = r_1(x)\) e \(q(x) = q_1(x)\text{.}\)
Exemplo 17.2.2.
O algoritmo de divisão meramente formaliza a divisão extensa de polinômios, uma tarefa com a que provavelmente estamos familiarizados desde o colégio. Por exemplo, suponha que queiramos dividir \(x^3 - x^2 + 2 x - 3\) por \(x - 2\text{.}\)
\(x^2\) | \(+\) | \(x\) | \(+\) | \(4\) | |||||
\(x\) | \(-\) | \(2\) | \(x^3\) | \(-\) | \(x^2\) | \(+\) | \(2x\) | \(-\) | \(3\) |
\(x^3\) | \(-\) | \(2x^2\) | |||||||
\(x^2\) | \(+\) | \(2x\) | \(-\) | \(3\) | |||||
\(x^2\) | \(-\) | \(2x\) | |||||||
\(4x\) | \(-\) | \(3\) | |||||||
\(4x\) | \(-\) | \(8\) | |||||||
\(5\) |
Logo, \(x^3 - x^2 + 2 x - 3 = (x - 2) (x^2 + x + 4 ) + 5\text{.}\)
Seja \(p(x)\) um polinômio em \(F[x]\) e \(\alpha \in F\text{.}\) Dizemos que \(\alpha\) é um zero ou raiz de \(p(x)\) se \(p(x)\) está no núcleo do homomorfismo de avaliação \(\phi_{\alpha}\text{.}\)Só estamos dizendo que \(\alpha\) é um zero de \(p(x)\) se \(p(\alpha) = 0\text{.}\)
Corolário 17.2.3.
Seja \(F\) um corpo. Um elemento \(\alpha \in F\) é um zero de \(p(x) \in F[x]\) se e somente se \(x - \alpha\) divide \(p(x)\) em \(F[x]\text{.}\)
Demonstração.
Suponha que \(\alpha \in F\) e \(p( \alpha ) = 0\text{.}\) Pelo algoritmo de divisão, existem polinômios \(q(x)\) e \(r(x)\) tais que
e o grau de \(r(x)\) é menor que o grau de \(x -\alpha\text{.}\) Como o grau de \(r(x)\) é menor que 1, \(r(x) = a\) para algum \(a \in F\text{;}\) portanto,
Mas
consequentemente, \(p(x) = (x - \alpha) q(x)\text{,}\) e \(x - \alpha\) é um fato de \(p(x)\text{.}\)
Reciprocamente, suponha que \(x - \alpha\) é um fato de \(p(x)\text{;}\) digamos \(p(x) = (x - \alpha) q(x)\text{.}\) Então \(p( \alpha ) = 0 \cdot q(\alpha) = 0\text{.}\)
Corolário 17.2.4.
Seja \(F\) um corpo. Um polinômio \(p(x)\) distinto de zero e de grau \(n\) em \(F[x]\) pode ter ao todo \(n\) zeros distintos em \(F\text{.}\)
Demonstração.
Procederemos por indução sobre o grau de \(p(x)\text{.}\) Se \(\deg p(x) = 0\text{,}\) então \(p(x)\) é um polinômio constante e não tem zeros. Se \(\deg p(x) = 1\text{,}\) então \(p(x) = ax +b\) para certos \(a\) e \(b\) em \(F\text{.}\) Se \(\alpha_1\) e \(\alpha_2\) são zeros de \(p(x)\text{,}\) então \(a\alpha_1 + b = a\alpha_2 +b\) e \(\alpha_1 = \alpha_2\text{.}\)
Agora suponha que \(\deg p(x) \gt 1\text{.}\) Se \(p(x)\) não tem zeros em \(F\text{,}\) estamos prontos. Por outro lado, se \(\alpha\) é um zero de \(p(x)\text{,}\) então \(p(x) = (x - \alpha ) q(x)\) para certo \(q(x) \in F[x]\) pelo Corolário 17.2.3. O grau de \(q(x)\) é \(n-1\) pela Proposição 17.1.4. Seja \(\beta\) algum outro zero de \(p(x)\) distinto de \(\alpha\text{.}\) Então \(p(\beta) = (\beta - \alpha) q(\beta) = 0\text{.}\) Como \(\alpha \neq \beta\) e \(F\) é um corpo, \(q(\beta ) = 0\text{.}\) Pela hipótese de indução, \(q(x)\) pode ter no total \(n -1\) zeros distintos em \(F\text{.}\) Portanto, \(p(x)\) tem ao todo \(n\) zeros distintos em \(F\text{.}\)
Seja \(F\) um corpo. Um polinômio mônico \(d(x)\) é um máximo divisor comum dos polinômios \(p(x), q(x) \in F[x]\) se \(d(x)\) divide tanto \(p(x)\) como \(q(x)\text{;}\) e, se para qualquer outro polinômio \(d'(x)\) que divida tanto \(p(x)\) como \(q(x)\text{,}\) \(d'(x) \mid d(x)\text{.}\) Escreveremos \(d(x) = \gcd( p(x), q( x))\text{.}\) Dois polinômios \(p(x)\) e \(q(x)\) são relativamente primos se \(\gcd(p(x), q(x) ) = 1\text{.}\)
Proposição 17.2.5.
Seja \(F\) um corpo e suponha que \(d(x)\) é um máximo divisor comum de dois polinômios \(p(x)\) e \(q(x)\) em \(F[x]\text{.}\) Então existem polinômios \(r(x)\) e \(s(x)\) tais que
Além disso, o máximo divisor comum de dois polinômios é único.
Demonstração.
Seja \(d(x)\) o polinômio mônico dde menor grua no conjunto
Podemos escrever \(d(x) = r(x) p(x) + s(x) q(x)\) para dois polinômios \(r(x)\) e \(s(x)\) em \(F[x]\text{.}\) Devemos demonstrar que \(d(x)\) divide \(p(x)\) e \(q(x)\text{.}\) Primeiro mostraremos que \(d(x)\) divide \(p(x)\text{.}\) Pelo algoritmo de divisão, existem polinômios \(a(x)\) e \(b(x)\) tais que \(p(x) = a(x) d(x) + b(x)\text{,}\) donde \(b(x)\) é o polinômio zero ou \(\deg b(x) \lt \deg d(x)\text{.}\) Portanto,
é uma combinação linear de \(p(x)\) e \(q(x)\) e portanto está em \(S\text{.}\) Então, \(b(x)\) deve ser o polinômio zero pois \(d(x)\) foi escolhido de grau minimal; Concluímos que \(d(x)\) divide \(p(x)\text{.}\) Um argumento simétrico mostra que \(d(x)\) também divide \(q(x)\text{;}\) logo, \(d(x)\) é um divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\text{.}\)
Para mostrar que \(d(x)\) é um máximo divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\text{,}\) suponha que \(d'(x)\) é outro divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\text{.}\) Mostraremos que \(d'(x) \mid d(x)\text{.}\) Como \(d'(x)\) é um divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\text{,}\) existem polinômios \(u(x)\) e \(v(x)\) tais que \(p(x) = u(x) d'(x)\) e \(q(x) = v(x) d'(x)\text{.}\) Portanto,
Como \(d'(x) \mid d(x)\text{,}\) \(d(x)\) é um máximo divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\text{.}\)
Finalmente, devemos mostrar que o máximo divisor comum de \(p(x)\) e \(q(x)\) é único. Suponha que \(d'(x)\) também é um máximo comum divisor de \(p(x)\) e \(q(x)\text{.}\) Acabamos de mostrar que existem polinômios \(u(x)\) e \(v(x)\) em \(F[x]\) tais que \(d(x) = d'(x)[r(x) u(x) + s(x) v(x)]\text{.}\) Como
e \(d(x)\) e \(d'(x)\) são ambos máximo divisor comum, \(\deg d(x) = \deg d'(x)\text{.}\) Como \(d(x)\) e \(d'(x)\) são ambos polinômios mônicos do mesmo grau, deve ser o caso que \(d(x) =~d'(x)\text{.}\)
Note a similaridade entra a demonstração da Proposição 17.2.5 e a demonstração do Teorema 2.2.2.