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Re: Dízima ou não-dízima7XppbWE=



On Thu, 20 May 1999, Carlos Nehab wrote:

> Ai, meu Deus,
> 
> >desculpe mandar MAIS uma mensagem, tão rápido, mas surgiu um problema, dos
> >bons, que não podia esperar. Em fração, quanto vale
> >0,999999999999999999999999999999999999999999...
> >9/9=1 e não 0,99999999999999999999999999999999999999999...
> 
> É raro, mas lá vou eu outra vez. E desta vez é achando bárbara sua
> dificuldade (sério).

Acho que apesar do assunto ser muito elementar e apesar de já termos
várias respostas eu ainda quero acrescentar alguma coisa...

Antes de mais nada acho que convem tornar mais clara a natureza do
problema. Os axiomas/definições matemáticas não foram ditados como
epílogo dos dez mandamentos, quem decide se 0,999999... será igual a 1
ou não somos nós. Ou melhor, nem precisamos decidir, podemos perfeitamente
considerar que existem dois tipos de números, e em cada tipo a coisa
funciona de uma forma. Por outro lado não se trata de um problema
puramente de notação: as propriedades dos números dependem desta decisão.
 
Mas se somos nós quem decidimos se 1 = 0,999999...,
esta decisão nem por isso é gratuitas: algumas decisões são muito mais
interessantes do que outras. Por isso acho que uma apresentação mais
rigorosa (com axiomas) dificilmente deixará quem levanta esta questão
(ou outras similares, como porque (-1)*(-1) = 1) realmente satisfeito.
A pergunta apenas se torna mais profunda: por que estes axiomas e não
outros? Uma resposta bastante autoritária seria: estude *este* sistema,
inventado por gente que sabe muito mais do que você; se algum dia você
chegar a ser um grande matemático só então você será digno de apresentar
sua contra-proposta. Menciono esta resposta apenas para eliminá-la como
pouco satisfatória e nada esclarecedora.

Acho que a melhor resposta talvez seja explorar um pouco o universo
paralelo onde 0.99999999.... < 1, de preferência dialogando. Dado que eu
estou escrevendo isto sozinho, comporei meu diálogo entre o professor
Sócrates e o aluno Platão. Os dois já leram o início deste e-mail...

P: Mas o que eu não entendo, S., é por que 0,999999... seria igual a 1.
   Parece tão mais natural definir 0,9999999... < 1!

S: Mas P., quanto seria a diferença 1 - 0.99999999...?

P: Não sei... vamos descobrir; chamemos a diferença de x.
   E eu digo que x > 0!

S: Mas você deve concordar que x < 1/10 = 0,1.

P: Por que?

S: Por que claramente 0,9 < 0,9999..., e 0,9 + 0,1 = 1,
   donde 0,9999... + 0,1 > 1.

P: Sim, S., é verdade. Devemos ter x < 0,1.

S: E da mesma forma temos x < 0,01, x < 0,001, ...

P: Sim, S., eu já tinha pensado nisso: x é positivo mas infinitamente
   pequeno.

S: Mas qual seria a expansão decimal de x?

P: (depois de pensar um pouco) Talvez x não tenha expansão decimal...
   ou talvez x = 0,000000....1, onde este algarismo 1 aparece em uma
   posição infinitamente afastada...

Bem, o aluno conseguiu manter seu ponto de vista, mas só a um preço
muito alto: ele teve que admitir a existência de infinitesimais,
que talvez não tenham expansão decimal ou cuja expansão decimal teria
não apenas infinitos algarismos, mas também algarismos em posições
infinitamente distantes...

Enfim, o objetivo deve ser mostrar que dizer 1 = 0,999999999...
é de longe a opção mais simples.

http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau