[Date Prev][Date Next][Thread Prev][Thread Next][Date Index][Thread Index]

Re: Dízimas e limites: 0,999... = 1



On Thu, 20 May 1999, Ralph Costa Teixeira wrote:

> PERGUNTA 1: 0,999... = 1 ??
> 
> 	Sim. O que as pessoas não reconhecem é que, gostem ou não, há um
> conceito de limite implícito na expressão 0,999...; NÃO HÁ COMO ESCREVER
> UMA DÍZIMA E PENSAR RIGOROSAMENTE NELA SEM PENSAR EM LIMITE. Quando você
> escreve algo como
> 
> 	0,33333...
> 
> 	o que isso significa? Há um entendimento (pelo msnos entre os
> matemáticos) de que isto representa o LIMITE da seguinte seqüência:
> 
> 	0,3 0,33 0,333 0,3333 0,33333 ...

Gostaria de discordar parcialmente...

Acho que a intenção profunda da carta do Ralph é dizer que o assunto não 
pode ser trivializado sem ser mutilado. E com isto eu concordo totalmente.

Mas se a interpretação de uma expansão decimal como a soma de uma série
é uma excelente interpretação, ela não é a única.
Apresento duas alternativas.

A primeira é que a expansão decimal representa uma família de estimativas.
Quando escrevemos, e.g., pi = 3,1415926535... estamos informando que
3,1415926535 <= pi <= 3,1415926536
Quando escrevemos a = 0,99999999999999.......
estamos dizendo que
1 - 10^(-n) <= a <= 1
para todo n, e a única solução em R é a = 1.
Esta idéia é próxima da de limite, mas um pouco diferente.
Assim, se escrevemos 1/3 = 0,333333333333...
estamos dizendo que
3/10 <= 1/3 <= 4/10
33/100 <= 1/3 <= 34/100
333/1000 <= 1/3 <= 334/1000
...
3333333333/10000000000 <= 1/3 <= 3333333334/10000000000
...

O que pode parecer estranho é o segundo sinal de "<="; por que não "<"?
A resposta está, é claro, na questão original:
será que 0.99999999999...... = 1?
Se respondemos que sim, somos obrigados a admitir o sinal de "<=".
Se respondemos que não, temos várias outras dificuldades,
já discutidas por Sócrates e Platão em um e-mail anterior.

A segunda, mais estranha para a maioria dos matemáticos,
consiste em decretar que um número real *é* uma seqüência infinita
de algarismos (e não apenas é representado por ela).
Definimos entre os números uma ordem baseada no primeiro algarismo
diferente; por exemplo
0,4567345 <= 0,4567801
porque o primeiro algarismo diferente é menor no primeiro do que no segundo.
A dificuldade com esta construção dos reais está em definir as operações
de soma e produto. É fácil entender que
0,101010 + 0.343434 = 0,444444
mas precisamos ter cuidado com os vai 1's!
0,234567 + 0,765433 = 1,000000
Aqui não há problema grave pois as expansões decimais são finitas;
no caso de uma expansão decimal infinita, entretanto, somos obrigados
a somar da esquerda para a direita e os algarismos já calculados
em um certo momento são sempre "provisórios" pois sempre pode vir de longe
uma onda de vai 1's que altere muita coisa.
O ponto é que esta definição pode ser tornada "sintática",
sem referência (direta, explícita) a limites.

(Aliás, estas definições sintáticas funcionam ainda melhor para expansões
infinitas para a *esquerda*.
Na base p, estes são os chamados números p-ádicos.
Na base 2, por exemplo, 1/11 (aliás 1/3) = ...010101010101011.
De fato,

.....010101010101011
x                 11
--------------------
.....010101010101011
+...010101010101011
--------------------
....0000000000000001

com uma onda de vai 1's fugindo para o infinito à esquerda.
Fica como exercício para o leitor calcular sqrt(111) (aliás sqrt(7)).)

Temos
1 + 0,111111111111111111..... = 1,11111111111111.....
(esta foi fácil) mas
0,9999999999999999..... + 0,1111111111111........ = 1,1111111111111111....
(esta envolve vai 1's em cada algarismo).
Se queremos salvar a regra  a+c = b+c -> a = b e a subtração
(quanto vale 1,11111111111111..... - 0,111111111111111...... ?)
devemos novamente decretar 0,999999999.... = 1.

http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau