Na seção anterior supomos que o leitor conhecia a função fatorial. Vamos começar esta seção definindo (n!)q.
Definição 1.7:
Seja n um natural; definimos
É claro que podemos também definir recursivamente
(0!)q = 1,
Lembramos que n! é o número de permutações de . Definimos o número de inversões de uma permutação como sendo o número de pares (i,j) com tais que .
Proposição 1.8:
Seja n um natural; temos
Ou seja, o polinômio (n!)q serve para q-contar as permutações com relação a este índice .
Dem:
Usando indução, basta mostrar que
Definição 1.9:
Sejam n e m inteiros. Definimos
Assim
fica definido
para quaisquer n, m inteiros.
Observe que substituindo q por 1 recuperamos os números binomiais.
Observe também que quando n é natural e
temos
Proposição 1.10:
Sejam n e m um inteiros. Temos
Dem: Basta substituir.
No caso clássico, vimos que
é um polinômio de grau mna variável x. No nosso caso, podemos fazer uma afirmação semelhante.
Para todo natural m existe um polinômio
de grau m na variável X tal que
para todo inteiro n. De fato,
Vejamos agora interpretações combinatórias para
.
Para isso voltemos à interpretação de
como
o número de caminhos ligando vértices em um retângulo de lados m e n-m.
Para
,
cada caminho contribui com qa,
onde a é a área abaixo do caminho.
Para um subconjunto de m elementos de
,
portanto,
o expoente de q é a soma dos elementos do subconjunto
menos
.
Assim, o caminho na nossa figura na seção anterior
corresponde a um termo de q24.
O leitor pode verificar diretamente, por exemplo, que
Um raciocínio combinatório simples nos dá a fórmula de recorrência,
demonstrando que nossa interpretação é correta.
Seja (provisoriamente) F(a,b) o polinômio em q definido como acima
em um retângulo
.
Se a = 0 ou b = 0 temos
.
Se
,
o último trecho do caminho pode ser vertical ou horizontal.
Se for horizontal, retirando este último trecho
temos um caminho de mesma área em um retângulo
.
Se for vertical, retirando este último trecho temos
um caminho em um retângulo
,
mas a área diminuiu de b.
Somando estas contribuições temos
Esta interpretação é útil para ajudar a ver alguns fatos básicos sobre . Refletindo o retãngulo (e os caminhos) na diagonal x=y temos . O grau de é m(n-m), a área total do retângulo; os coeficientes de 1 e de qm(n-m) são ambos iguais a 1, correspondendo aos caminhos no extremo de baixo e de cima. Girando o caminho de meia volta ao redor do centro do retângulo trocamos o valor da área de i por m(n-m) - i: isto prova que os coeficientes de qi e de qm(n-m) - isão sempre iguais.
Existe uma outra definição combinatória importante para q-números binomiais usando álgebra linear sobre corpos finitos.
Proposição 1.11: Seja o corpo finito com q elementos (onde q é uma potência de primo) e seja V um -espaço vetorial de dimensão n; V tem exatamente subespaços W de dimensão m.
Observemos que aqui, pela primeira vez, q deixa de ser uma variável puramente formal e passa a assumir valores inteiros, de tal forma que passa também a assumir valores inteiros. Daremos duas demonstrações independentes para esta nova interpretação combinatória de : uma por indução, usando as fórmulas de recorrência, e outra relacionando mais diretamente este problema combinatório com o primeiro (que fala de caminhos em uma grade).
Dem:
A demonstração é por indução.
Chamamos provisoriamente de f(n,m,q)o número de subespaços de dimensão m de
.
Como só existe um subespaço de dimensão 0 e um subespaço de dimensão n,
temos
f(n,0,q) = f(n,n,q) = 1 para todo .
Para calcular
f(n+1,m+1,q),
consideremos
.
Seja
um subespaço de dimensão m+1;
a dimensão de
pode ser m ou m+1.
No primeiro caso temos f(n,m,q) possíveis W1e cada um deles precisa ser engordado com um elemento de V - V1para virar um W:
existem
qn+1 - qn = qn (q-1) elementos de V - V1mas cada W é gerado por
qm+1 - qm = qm (q-1) destes elementos.
Assim, temos
qn-m f(n,m,q) subespaços Wpara os quais
tem dimensão m.
Por outro lado, temos
f(n,m+1,q) subespaços Wpara os quais esta dimensão é m+1;
somando os dois casos temos
Para a segunda demonstração, lembramos que podemos descrever um subespaço W (de dimensão m) de Kn (onde K é um corpo) via uma matriz de posto m: W é o espaço gerado pelas linhas de A. Para cada subespaço W existem muitas matrizes A correspondentes: mais precisamente, duas matrizes A1 e A2 definem o mesmo subespaço Wse e somente se existe uma matriz quadrada inversível B com A1 = B A2. A forma usual de tomar um representante de cada classe de equivalência é considerar matrizes escalonadas por linhas, i.e., para cada de posto mexiste uma única matriz inversível B tal que BA é escalonada por linhas. Lembramos que uma matriz escalonada por linhas é aquela que satisfaz as seguintes condições:
Vejamos agora resultados análogos aos da primeira seção.
Proposição 1.12:
Para quaisquer
,
temos
Dem:
Por indução em n, sendo trivial o caso n = 0.
O caso n = 1 é a identidade recursiva da Proposição 1.10
(apenas mudando o nome das variáveis):
Observe a total analogia entre a Proposição 1.4 e a Proposição 1.12; até a demonstração da proposição mais geral é obtida simplesmente inserindo q nos lugares apropriados.
Corolário 1.13:
Seja n um inteiro positivo e
um polinômio de grau menor do que n em X.
Então
Dem: Análoga à do Corolário 1.5, usando a Proposição 1.12.
Finalmente, a Proposição 1.14 abaixo é análoga à Proposição 1.6.
Proposição 1.14:
Para quaisquer naturais a, b, c temos
Novamente o lado direito é invariante por permutações de a, b, c, o que não é evidente para o lado esquerdo. Por outro lado, o lado esquerdo é claramente um polinômio em q; o leitor é convidado a tentar demonstrar diretamente que o lado direito é um polinômio em q.
Usaremos na demonstração a equação
Dem:
Seja
Defina
Se
w = Mq(a,b,c) v temos
e usando o corolário acima temos que
Podemos escrever
v = (Mq(a,b,c))-1 wdonde