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A Álgebra dos Grupos Clássicos

Um algebrista, admirando grupos clássicos, fica fascinado como suas definições independem grandemente do corpo (ou anel) de constantes k (no caso de grupos unitários é necessário um automorfismo involutivo em k, mas isto é tudo). Mais ainda, grupos clássicos definidos sobre anéis comutativos A e A' podem ser comparados através de um morfismo $A\rightarrow A'$, que define um morfismo dos grupos clássicos por ``mudança de base''. Na verdade, o que o fascina é o fato de grupos clássicos serem funtores. Assim, por exemplo, Gln(A) é o funtor da categoria de anéis comutativos para a categoria de grupos

\begin{displaymath}Gl_n:{\bf AnCom}\longrightarrow {\bf Grp}\end{displaymath}

que a cada anel A associa Gln(A). A aplicação determinante aparece agora como uma transformação natural $\det:
Gl_n \stackrel {\bullet}{\rightarrow}
Gl_1$; a naturalidade de $\det$ se expressa na comutatividade do diagrama

\begin{displaymath}\begin{matrix}\qquad Gl_n(A)&
\mathop{\longrightarrow}
&Gl_...
...quad Gl_1(A)&
\mathop{\longrightarrow}
&Gl_1(B)
\end{matrix}\end{displaymath}

que resulta da expressão polinomial do determinante nas coordenadas-entradas das matrizes: um morfismo de anel nestas entradas forçosamente preserva esta expressão polinomial, e o diagrama então comuta.

O núcleo de $\det$ é, como esperado, o funtor Sln, que associa a cada anel A o grupo Sln(A). Assumindo que o anel A é comutativo e contem o corpo k, ou seja, considerando os funtores definidos na categoria ${\bf AlgCom}_k$ de álgebras comutativas sobre k, algo ainda mais interessante acontece: existe um elemento universal para estes funtores ou, equivalentemente, Sln é representável: para cada álgebra comutativa sobre k vale

\begin{displaymath}Sl_n(A)={\it Hom}_{{\bf AlgCom}_k}
(k[\{X_{ij}\}]/(1-\det),A).\end{displaymath}

Isto significa: o funtor Sln é representado pela álgebra $k[\{X_{ij}\}]/(1-\det(X_{ij}))$. Em última análise o que se usa é a propriedade universal de anéis de polinômios. Por exemplo,

\begin{displaymath}Sl_2(A)={\it Hom}_{{\bf AlgCom}_k}
(k[X_{11},X_{12},X_{21},X_{22}]
/(1-(X_{11}X_{22}-X_{12}X_{21})).\end{displaymath}

Também Gln é representável na categoria ${\bf AlgCom}_k$: neste caso é adicionada uma variável extra T ao conjunto $\{ X_{ij}\}$ de variáveis, e vale

\begin{displaymath}Gl_n(A)={\it Hom}_{{\bf AlgCom}_k}
(k[\{X_{ij}\},T]/(1-T\det
(X_{ij})),A).\end{displaymath}

Também as condições que definem os outros grupos clássicos podem ser expressas funtorialmente: os grupos ortogonais, por exemplo, são grupos dados por matrizes A que satisfazem AAt=I, que é uma condição polinomial nas entradas de A.

O fato de grupos clássicos serem dados por funtores representáveis se traduz dizendo que estes objetos que os representam são co-objetos de Hopf da categoria ${\bf AlgCom}_k$ (ver (A.6)). A categoria ${\bf AlgCom}_k$ é completa e cocompleta, o co-produto de A e B sendo dado pelo produto tensorial $A\otimes_k B$. Um co-objeto de Hopf é uma álgebra A, comutativa sobre k, para a qual existem os morfismos em ${\bf AlgCom}_k$ dados por

\begin{displaymath}\Delta:A\longrightarrow A\otimes A,\end{displaymath}

dito co-multiplicação,

\begin{displaymath}\epsilon:A\longrightarrow k,\end{displaymath}

dito co-unidade ou aumentação, e

\begin{displaymath}S:A\longrightarrow A,\end{displaymath}

dito antípoda. Estes dados estão submetidos aos axiomas que se resumem na comutatividade dos diagramas

\begin{displaymath}\begin{matrix}A\otimes A\otimes A&
\mathop{\longleftarrow}
...
...&
\mathop{\longleftarrow}
\limits^{\Delta}
&A,
\end{matrix}\end{displaymath}

que garante a associatividade do grupo ${\it Hom}_{{\bf AlgCom}_k}(A,B)$,

\begin{displaymath}\begin{matrix}k\otimes A&
\mathop{\longleftarrow}
\limits^{...
...d A&
\mathop{\longleftarrow}
\limits^{=}
&A,
\end{matrix}
\end{displaymath}

que garante que a co-unidade $\epsilon
:A\rightarrow k$ é o morfismo dual da ``escolha de unidade'' $\{ *\}
\rightarrow G$ em um grupo G, e

\begin{displaymath}\begin{matrix}A&
\mathop{\longleftarrow}
\limits^{(S,id)}
...
...&
\mathop{\longleftarrow}
\limits^{\epsilon}
&A\end{matrix},\end{displaymath}

que garante que o morfismo antípoda funcione como o dual da inversão no grupo.

Uma álgebra comutativa sobre k, objeto de ${\bf AlgCom}_k$, dotada de morfismos $\Delta, \epsilon$ e S que funcionam, respectivamente, como co-multiplicação, co-unidade e antípoda (e logo tornam comutativos os diagramas acima), é dita uma álgebra de Hopf comutativa sobre k.

O lema de Yoneda (A.2) garante que funtores representáveis ${\bf AlgCom}_k
\rightarrow {\bf Grp}$ (como os grupos clássicos) correspondem a álgebras de Hopf comutativas sobre k. São, também, os co-objetos de Hopf de ${\bf AlgCom}_k$.

Funtores representáveis formam naturalmente uma categoria, em que morfismos são dados quer por transformações naturais quer (via o lema de Yoneda), por morfismos em ${\bf AlgCom}_k$ das álgebras de Hopf comutativas sobre k correspondentes. Álgebras de Hopf comutativas sobre k formam naturalmente uma categoria ${\bf AlgHopfCom}_k$; contrariamente ao caso de álgebras de Lie, uma álgebra de Hopf é uma álgebra associativa, e assim existe um funtor de esquecimento

\begin{displaymath}\mathcal{ E}_{\bf HopfCom}:{\bf AlgHopfCom}_k
\longrightarrow {\bf AlgCom}_k.
\tag{\bf I.3.1}
\end{displaymath} (I.3.1)

Uma álgebra A, objeto de ${\bf Alg}_k$, pode ser vista como um espaço vetorial dotado de morfismos

\begin{displaymath}\mu:A\otimes A\longrightarrow A,
\qquad u:k\longrightarrow A,\end{displaymath}

que fornecem, respectivamente, a multiplicação e a estrutura de álgebra sobre k. Estes morfismos devem satisfazer as condições usuais, que podem ser expressas por comutatividade de diagramas apropriados. No caso de uma álgebra de Hopf sobre k temos morfismos

\begin{eqnarray*}\Delta:A&\longrightarrow A\otimes A\\
\epsilon:A&\longrightar...
...\
\mu:A\otimes A&\longrightarrow A\\
u:k&\longrightarrow A,
\end{eqnarray*}


que satisfazem propriedades duais. A subcategoria ${\bf AlgHopfComCocom}_k$ de álgebras de Hopf comutativas e cocomutativas admite assim um processo de dualização natural $A\rightarrow
A^D$, em que a co-multiplicação de AD é o morfismo dual da multiplicação em A, a co-unidade é o dual da estruturação sobre k, e assim por diante.


Exemplos e Exercícios


1. O caso de Sl2. O grupo clássico Sl2, visto como funtor representável, é representado pela álgebra de Hopf comutativa (o co-objeto de Hopf):

A=k[X11,X12,X21,X22] /(1-(X11X22-X12X21)).

A co-multiplicação é dada por

\begin{eqnarray*}\Delta:A&\longrightarrow
A\otimes A\\
X_{11}&\mapsto X_{11}\...
...\
X_{22}&\mapsto X_{21}\otimes X_{12}+
X_{22}\otimes X_{22},
\end{eqnarray*}


a co-unidade por

\begin{eqnarray*}\epsilon:A&\rightarrow k\\
X_{11},X_{22}&\mapsto 1\\
X_{12},X_{21}&\mapsto 0,
\end{eqnarray*}


e o antípoda por

\begin{eqnarray*}S:A&\rightarrow A\\
X_{11}&\mapsto X_{22}\\
X_{22}&\mapsto X_{11}\\
X_{12}&\mapsto -X_{12}\\
X_{21}&\mapsto -X_{21}.
\end{eqnarray*}



Referências.


O uso de álgebras de Hopf comutativas em Geometria Algébrica é exposto de forma clara e elegante em [Wa].


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Nicolau C. Saldanha
1999-08-10