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Re: [obm-l] Derivadas
> Estou com um problema:
> Sei que a derivada de y=f(x) no ponto de abcissa xo é o coeficiente
> angular da reata tangente à função y=f(x) no ponto P(Xo,yo).
> Gostaria de saber o que significaria a derivada segunda de xo, a derivada
> terceira de xo, a derivada n de xo, em relação a função original.
Se eu estiver falando besteiras alguém vai me corrigir rápido, então eu arrisco. Outro dia
eu soltei uma de confundir distância em espaço métrico com norma em espaço vetorial que me
deu uma vergonha depois...
Mas, bem, tentar é preciso. A gente só aprende assim. E em todo caso, o Nicolau tem mais o
que fazer do que ficar ensinando cálculo zero. É o seguinte: pense em física.
A avenida das Américas é uma longa estrada em linha reta que vai do início da Barra até o
Grumari, ou mais longe. A cada 5 quilômetros, tem um cartaz marcando "Km 10", "Km 15".
Você tem uma função s(t) - escalar, por enquanto - que te diz em que ponto da Avenida das
Américas está o seu carro em um determinado instante do tempo. A menos que você dê voltas
e pegue retornos, a sua função s(t) será estritamente crescente.
Como é que você calcula a velocidade média que o seu carro desenvolveu, digamos, do 10o.
ao 15o. minuto? Você vê quanto o seu carro andou e divide pelo tempo percorrido.
Vme(10,15) = [s(15)-s(10)]/(15-10).
Em geral,
Vme (a,b) = [s(b) - s(a)]/(b-a).
Onde a e b são "pontos no tempo"; você inicia um cronômetro no começo da brincadeira, e
olha para ele em dois momentos a e b. Mas rola o seguinte: a velocidade máxima permitida
na Av. das Américas é de 80 km/h. Mas no espaço de tempo [a,b] que você mediu, você foi
metade do trajeto a 20 km/h, e metade a 120 km/h, dando uma velocidade média menor que
oitenta quilômetros por hora. Quando o policial te parar, você pode sacar a sua HP 49-G,
fazer umas duas integrais para calcular precisamente sua velocidade média, e explicar para
ele que na média, você estava dentro da lei. Pode?
O chato é que difícilmente os nossos policiais sabem cálculo. Eles só sabem o que é
velocidade instantânea. E velocidade instantânea é, grosseiramente, a Vme em um espaço
curtinho de tempo. Mas o nosso policial só é policial enquanto espera a graduação e o
mestrado por notório saber saírem da burocracia, então ele saca o bloquinho de papel e faz
um limite.
lim Vme(a,b) = V(a)
b-->a
Se você for fazer a conta, vai achar a fórmula da derivada que tem no livro.
V(a) = s'(a)
E ele te mostra que, dado o momento b em que ele te parou, existe um epsilon, mesmo que
pequeno, tal que Vme(b-epsilon, b) > 80. E lá se vai a sua permissão de motorista. Tudo
culpa do Cauchy, que inventou essa história de limites.
*Derivada é isso: uma velocidade*. A história de inclinação da tangente ajuda a ver se
tiver o gráfico - mas eu não vou ficar desenhando um gráfico pra você quando tenho prova
de microeconomia na terça.
Agora imagine que a nossa função inicial não é a posição na Av. das Américas, mas a sua
velocidade. O vento levou os cartazes que marcavam os quilômetros, e você só tem o seu
velocímetro e a sua namorada anotando as velocidades a cada 60 segundos. O que vai ser a
derivada da função velocidade? A "velocidade" com que a velocidade muda - ou seja, a
aceleração. Aquela história de "vai de 0 a 100 em 40 segundos". Qualquer fanático por
automóveis vai te dizer que o que você sente não é a velocidade, é a aceleração.
Se o carro vai de 0 a 360 m/s em 60 segundos, a "aceleração média" é
Ame(0,60) = V(60) - V(0) / (60-0) = 360 / 60 = 6 m/s^2
Mas será que ele começa a desenvolver 6 m/s^2 desde o momento que você vira a chave?
Provavelmente ele começa aos pouquinhos e vai "acelerando cada vez mais rápido". Se você
puxar um limite na velocidade, vai achar a aceleração instantânea.
lim Ame(a,b) = A(b) = V'(b)
b-->a
E como v(b) = s(b), v'(b) = s''(b). Que é a segunda derivada. Segunda derivada de qualquer
coisa é a "taxa de aceleração".
Pense num exemplo diferente agora. Uma função demanda diz quanto os consumidores estão
dispostos a comprar dado um preço. Suponha, para facilitar, que você é um monopolista - o
único cara que tem um show do Malevolent Creation no Rio este ano - e por isso define o
preço que quiser. A quantidade de ingressos que você vai vender é igual a
Q = D(p)
E o dinheiro que você vai ganhar com isso (a sua Receita) é
R = p*q = p*d(p).
Qual é o preço que maximiza a sua receita? Supondo que você é um padeiro tijucano que não
estudou cálculo, a sua melhor estratégia vai ser experimentar aumentar o preço aos
pouquinhos. Eu sei que a função demanda é D(p) = 500 - p, mas para usar um truque
hitchockiano, vou deixar você sem saber isso. Então você vai e experimenta o preço p =
100. E verifica, atônito, que
R (100) = 100*d(100) = 100*(500-100) = 40.000.
Agora aumenta o preço para p=200
R(200) = 200*d(200) = 200*(500-200) = 60.000.
Esse negócio de promover shows de rock é _muito_ lucrativo. Aumente logo para 300, diz o
diabinho no seu ombro. E você verifica que
R(300) = 300*d(300)=300*(500-300) = 60.000.
Quer dizer, a sua receita parou de crescer. E se você aumentar o preço para 400, R(400) =
40.000 de novo. Portanto, o seu preço ótimo deve estar em algum ponto entre 200 e 300.
Então você volta para 200, e começa a dar passinhos menores. Ou, se você descobrir a sua
função demanda, usa cálculo. Eu te disse que a demanda é D(p) = 500 - p, certo? Então a
receita é
R(p) = p* (500-p) = p^2 - 500p.
Cá entre nós, essa função quadrática é conhecida, e a gente sabe que fica uma parábola,
com um único ponto de máximo. Então você quer saber em que ponto ela pára de crescer para
começar a diminuir, e faz a conta direto: em que ponto a sua *receita marginal* é zero?
R'(p) = 0 ==> 2p-500=0 ==> p=250
Que é o seu preço ótimo. Mas se a gente não conhecesse a natureza dessa função receita? Se
ela tiver vários pontos de inflexão (pontos onde ela muda de direção) e só um deles for o
máximo? Se ela não tiver máximo, mas mínimo? Pra saber isso melhor, a gente vai estudar o
comportamento da derivada - pelo menos para saber se tem mais de um ponto onde ela pára de
crescer e passa a diminuir. E para isso, a gente vai derivar a derivada da derivada.
R''(p) = 2
E só daí você tira que a derivada não prega peças na gente. Como a derivada é a taxa de
variação da receita, a receita cai onde ela é menor que zero, e sobe onde ela é maior que
zero. Como a derivada da derivada é uma constante, você sabe que a derivada primeira é uma
função linear, e só passa pelo zero uma vez.
E a gente já viu que quando a derivada passa pelo zero (e _cruza_ o zero, o que não vai
acontecer num polinômio de grau 3, por exemplo), a função muda de comportamento. No nosso
caso, pára de crescer e começa a decrescer. E nós, como capitalistas fominhas que somos,
queremos o máximo possível.
Só um caveat: nem todo ponto onde a derivada é igual a zero é um ponto de _inflexão_ (de
mudança de comportamento). Dá uma olhada na seguinte f:
f(x) = x^3.
Logo, f'(x) = 3*x^2. A derivada vai ser zero em 3x^2 = 0 ==> x=0.
Mas dê uma olhada na segunda derivada:
f''(x) = 6x.
Acho que já deu pra ver que a derivada primeira não é linear. E pior, à medida que x
aumenta, a _derivada segunda_ sempre aumenta, o que quer dizer que a _derivada primeira_
aumenta a taxas cada vez maiores. Se você olhar o gráfico da derivada primeira, vai ver
uma parábola. Tem um ponto onde ela ameaça cruzar o zero e ficar negativa, mas encosta e
volta. E se você for ver o gráfico de x^3, a função ameaça dar a volta e começar a cair,
mas dá uma paradinha e continua.
Puxa, como escrevi. Acho que gosto de fazer isso. Ah, se a matemática me amasse como eu a
amo...
>
> Agradeço a ajuda,
> Thiago
>
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