[Date Prev][Date Next][Thread Prev][Thread Next][Date Index][Thread Index]

Re: [obm-l] Re: [obm-l] Matemático resolve probl ema centenário e recusa US$ 1 milhão



Fiquei pensando alguns minutos se valeria a pena envolver-me nessa "disputa": investe-se algum tempo e o risco de ser mal compreendido é enorme... Mas tenho plena convicção de que tenho algo relevante a dizer.

As reações ao gesto do Perelman variaram do "maluco" ao "nobre". Pessoalmente, eu diria apenas "interessante" ou "curioso". Qualquer julgamento (para o bem ou para o mal) depende das convicções pessoais do inquisidor, construídas a partir das suas experiências de vida, únicas e incomunicáveis. Ou seja, cuidado para não enxergar apenas o que você quer ver... O próprio Perelman disse que ninguém deveria ter interesse em saber mais sobre ele, ele não quer ser exemplo de nada!

Creio que ninguém se envolve com o conhecimento sem paixão, pelo menos em um grau mínimo. Porém, mesmo que se trate de uma paixão ardorosa, isso não implica desprendimento de qualquer outro desejo. Muito já se escreveu sobre a diferença na mentalidade dos cristãos católicos (que condenam fortemente o acúmulo de capital) e a dos cristãos protestantes (que não demonizam o dinheiro ganho justamente). A Reforma surgiu desse conflito!

Preferências religiosas à parte, é indiscutível que a linha católica encontra eco em uma mentalidade muito comum nas "ciências puras" no Brasil, de que qualquer trabalho mais "aplicado" ou que possa gerar dividendos seja condenável. Acho particularmente nociva (para a própria Ciência e para a sociedade em geral) essa postura. Tenho inúmeras críticas a valores e atitudes norte-americanas, mas é inquestionável que, no mundo em que vivemos, os EUA são o país que melhor sabe transformar conhecimento em riquezas. Não coincidentemente, o Brasil, subdesenvolvido, é péssimo nesse aspecto.

Aqui, muitos respeitáveis professores doutores digladiam-se em uma questionável disputa que dá a entender que a Matemática, que é uma só, divide-se em "pura" e "aplicada", resultando em pouquíssimos pesquisadores envolvidos com aplicações. Enquanto isso, nos EUA ou em qualquer outro país desenvolvido, os pesquisadores que enfatizam aplicações atraem recursos e estudantes não só para suas áreas de atuação mas também para aquelas mais fundamentais, respeitando e sendo respeitados pelos pesquisadores com temas mais afastados do cotidiano.

Em resumo, no mundo em que vivemos, para "tirar muitos países do ostracismo científico e da miséria", acima de tudo é preciso parar de "demonizar" quem tem outras ambições além das intelectuais. Arrisco dizer que o que irritou o Fernando não foi a atitude do Perelman, mas sim a "exaltação fervorosa" dessa atitude, que praticamente implica na condenação do comportamento oposto. Pelo menos comigo, foi o que ocorreu. Com todo o respeito, considero a frase "quando se entrar no ramo da matemática subentende-se que você não está nem aí pra dinheiro e que o pouco que você ganha lhe torna uma pessoa feliz, porque você faz o que gosta e tem amor por isso" muito parecida com uma pregação religiosa: "o reino dos céus será seu, não importa o quanto você sofra aqui na Terra". Cada um tem o direito de acreditar no que quiser, mas tenho convicção (e parece que todos os estudos sobre o desenvolvimento sócio-econômico das nações vão nessa direção) de que essa postura não ajuda em nada o desenvolvimento da Matemática e do Brasil.

Notem, não condeno o Perelman, não condeno nenhuma pesquisa "pura", não estou dizendo que só se deve fazer pesquisa "aplicada". Só defendo a "não-demonização" de quem gosta de aplicações e/ou quer ganhar dinheiro com o conhecimento: isso pode ser benéfico para todos!

Respeitosamente,
Leonardo P. Maia.


On 8/27/06, Palmerim Soares <palmerimsoares@gmail.com > wrote:
 
O que está se louvando aqui é a postura, a atitude, a forma de encarar com amor e desprendimento, sem egoísmo, nem interesse, o espírito de sacrifício pelo bem da humanidade, coisa muito rara hoje em dia e que talvez ajudasse a tirar muitos países do ostracismo científico e da miséria. Ninguém aqui disse que está se candidatando a santo, apenas adimiramos algo que é nobre e raro, manifestando-se em abundância em um colega de profissão estrangeiro. Não é preciso se tornar uma Madre Teresa para dar uma parcela do nosso tempo, energia e amor àqueles que não têm acesso ao que para nós é facilmente obtido. Dividir o conhecimento é ainda mais nobre que dividir o alimento... e isso nós todos aqui já estamos fazendo de maneira magnífica e maravilhosa, não é?  Eu, pessoalmente, se fosse desprendido como ele, aceitaria o dinheiro do Rei (que talvez o utilizasse de maneira fútil) e o empregaria para fazer mais pesquisas e também para auxiliar os menos favorecidos que apenas precisam de uma oportunidade e um gesto de amor para mostrarem ao mundo o quanto são capazes... Acho que o que a atitude dele nos ensina é que nem todos os homens agem somente por dinheiro ou por fama e nem por isso deixam de ser felizes ou deixam de fazer os outros felizes.
 
Grande abraço
 
Palmerim
 
 

 
Em 27/08/06, fernandobarcel <fernandobarcel@bol.com.br > escreveu:
O assunto é offtopic, mas fiquei chocado com o que vai pela cabeça desse pessoal!
Quer dizer que só matemáticos conseguem ter atitudes humildes?!
E quer dizer que quem trabalha com matemática pura durante 10 anos não deve fazê-lo por dinheiro? então, todos os profesores de matemática deveriam dar aula de graça?!
E quem ganha um prêmio Nobel, ou equivalente? aceitá-lo seria "fraqueza de caráter"? ou menos nobre, talvez?
Adoro o meu trabalho, mas não aceitaria trabalhar de graça se não tivesse de onde tirar o meu sustento. Como não sou filho de pai rico, e comumente tenho vontade de fazer mais do que posso, jamais recusaria um prêmio em dinheiro (ou qualquer outra modalidade). Não sou excêntrico, nem hipócrita, tampouco demagogo - me considero um cidadão comum, que vive num país capitalista.

Abraços a todos!


---------- Início da mensagem original -----------

Assunto: Re: [obm-l] Matemático resolve probl ema centenário e recusa US$ 1 milhão

> Sem dúvida, é uma atitude humilde, e que só os matemáticos conseguem ter,
> quando acabei de ler a notícia, do meu computador o aplaudi e fiz uma
> reverencia, matemática não é dinheiro, não acredito que alguém possa passar
> 10 anos trabalhando em matemática pura por dinheiro, o bonito do sucesso do
> Perelman além da resolução magnífica foi se recusar a receber essa quantia.
> Talvez outros não pensem assim, mas quando se entrar no ramo da matemática
> subentende-se que você não está nem aí pra dinheiro e que o pouco que você
> ganha lhe torna uma pessoa feliz, porque você faz o que gosta e tem amor por
> isso.
>
> Um abraço a todos os matemáticos do Brasil!
>
> Que isso sirva de exemplo!
>


=========================================================================
Instruções para entrar na lista, sair da lista e usar a lista em
http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau/olimp/obm-l.html
=========================================================================