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[obm-l] Um problema de raciocínio lógico



Um problema de raciocínio lógico (parte IV)

Infelizmente, até o  momento apenas cinco (5) membros da lista se interessaram em descobrir onde está o erro na questão de Raciocínio Lógico do Teste ANPAD que apresentei. Nenhum dos cinco chegou ao resultado por mim esperado, mas saibam que estão em boa companhia: os elaboradores do Teste ANPAD também erraram. Pior do que isso: esses últimos se recusam a enxergar o erro cometido. É curioso que os coordenadores de um teste de Lógica teimem em ignorar precisamente aquilo que é o conceito mais importante de toda a Lógica, a saber, o de "conseqüência lógica". Conforme veremos, esta é a raiz da questão. É a dificuldade com este conceito o que mais me interessa neste problema. Nenhum treinamento formal em Lógica Matemática deveria ser necessário para um bom entendimento intuitivo de uma idéia tão fundamental. Contudo, a intuição tem sérios limites, de modo que não vejo como esclarecer o problema senão fazendo uma breve incursão preliminar pelo conceito de "conseqüência lógica". Deixarei
para o próximo e-mail minha análise definitiva da questão original (juntamente com as respostas dos organizadores do Teste ANPAD). 

**O CONCEITO DE CONSEQÜÊNCIA

Por consenso universal -- até que me provem o contrário --, a frase "pode-se concluir que", quando empregada em testes de múltipla escolha, significa: "das opções abaixo, aquela que é conseqüência lógica das afirmações anteriores é". Este é o significado pretendido (ainda que possivelmente inconsciente) de "pode-se concluir que" em todos os testes que conheço, incluindo o Teste ANPAD (ver adiante). Em toda parte, "concluir" significa "extrair uma conseqüência lógica".

O conceito de "conseqüência lógica" possui uma história longa e fascinante, tendo merecido a atenção de matemáticos e lógicos ilústres, um dos dos quais foi Alfred Tarski (1902-1983). Na década de 1930, esse formidável lógico-matemático polonês publicou um artigo, hoje famoso, no qual o conceito de "conseqüência lógica" recebeu sua primeira formulação matemática explícita e rigorosa. Entretanto, não é preciso conhecer os detalhes técnicos da formulação de Tarski (linguagens formais, constantes lógicas, sentença, proposição, modelos, verdade, etc.) para vislumbrar a idéia básica, que é a seguinte:

Definição. Seja S um conjunto de sentenças. Uma sentença P é CONSEQÜÊNCIA LÓGICA de S quando P é verdadeira em toda situação na qual (todas) as sentenças de S são verdadeiras.

Equivalentemente: P é CONSEQÜÊNCIA LÓGICA de S se não existe situação (ou "mundo possível") na qual as sentenças de S são verdadeiras e P é falsa.

**UM EXEMPLO

A definição acima pressupõe uma explicação precisa dos conceitos de "situação" e "verdade". Isto também foi feito por Tarski. Não posso fazer o mesmo aqui, mas darei um exemplo simples a partir de uma questão da própria ANPAD. Ei-la:

(ANPAD/Raciocínio Analítico/junho/2003/questão 3) 
"O produto A vende mais que o produto B. O produto C vende menos que o produto D. O produto B e o produto E vendem a mesma quantidade. O produto E vende mais que o produto C.

O que se conclui do enunciado acima?

A) O produto B vende menos que o produto C.
B) O produto A vende mais que o produto C.
C) O produto B vende menos que o produto D.
D) O produto D vende mais que o produto A.
E) O produto D vende mais que o produto E."

Este problema é certamente trivial, mas servirá para ilustrar o significado de "concluir". Na questão acima, devemos descobrir qual das opções é uma conseqüência lógica das premissas contidas no enunciado. Sem maiores delongas, podemos formular as premissas como segue:

p1:A>B
p2:C<D
p3:B=E
p4:E>C

Agora, apenas como ilustração, pergunto: é a opção A) a resposta? Podemos CONCLUIR "B<C" das premissas acima? É evidente que não. Há várias maneiras de REFUTAR "B<C" a partir das premissas, isto é, de encontrar (pelo menos) UMA situação na qual as premissas são verdadeiras e "B<C" é falsa. Por exemplo, na situação abaixo

A=3, B=2, C=1, D=2, E=2

as 4 premissas p1-p4 são verdadeiras, mas "B<C" é falsa.

Em vez de atribuir valores numéricos às letras A, B, C, D e E, poderíamos apresentar um diagrama como o seguinte:

C  B  D  A
   E

no qual nos aproveitamos do familiar isomorfismo entre o conjunto dos reais e a reta numérica.

Como quer que imaginemos uma "situação", é fácil refutar as opções C), D) e E) por este método. Por eliminação, um candidato concluiria que a resposta é a opção B).

**O CONCEITO DE DEMONSTRAÇÃO

A opção B) é realmente a resposta: o produto A vende mais que o produto C. Seria possível estabelecer este fato sem o método de refutação por "modelos" ou "situações"? Como concluir efetivamente que "A>C" a partir das premissas? De acordo com a nossa definição (intuitiva) de "conseqüência lógica", teríamos que investigar TODAS as situações possíveis nas quais as premissas são verdadeiras e verificar, em cada uma delas, que "A>C" é também verdadeira. Sem dúvida, uma tarefa impossível, visto que o número de situações é infinito!

Este é apenas um dos problemas PRÁTICOS da abordagem SEMÂNTICA do conceito de "conseqüência lógica". Felizmente, há muito que os matemáticos conhecem uma solução puramente SINTÁTICA: a demonstração por meio de "regras de inferência". 

No caso acima, podemos DEMONSTRAR "A>C" da seguinte maneira: de A>B (p1) e B=E (p3) deduzimos que A>E. Como E>C (p4), segue-se que A>C. (Neste argumento usamos, tacitamente, a transitividade da relação "maior do que" e o princípio óbvio (?) segundo o qual de x=y e de uma condição sobre x, podemos concluir a mesma condição sobre y.)

Acabamos de exibir uma demonstração (informal!) de "A>C" a partir das premissas p1-p4. (Aliás, p2 não foi usada.) Deveria ser intuitivamente "óbvio" que o conceito sintático de "demonstração" e a definição semântica de "conseqüência lógica" são equivalentes. De fato, uma versão desta equivalência foi provada por Kurt Gödel alguns anos antes do trabalho de Tarski. A definição de Tarski e o "Teorema da Completude" de Gödel pertencem aos fundamentos da Lógica moderna.

**CONCLUSÃO

"Concluir" significa "tirar uma conseqüência lógica". Uma conseqüência de um conjunto S de sentenças (premissas) é qualquer sentença P que não pode ser "refutada" com base em S. Embora o recurso a "situações" seja o mais natural para uso em refutações, na Matemática normalmente nos certificamos de uma conseqüência lógica por meio de "demonstrações".

Carlos César de Araújo
Gregos & Troianos Educacional
www.gregosetroianos.mat.br
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(31) 3283-1122

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Instruções para entrar na lista, sair da lista e usar a lista em
http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau/olimp/obm-l.html
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