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Re: [obm-l] Complexos e Matrizes



On Wed, Feb 11, 2004 at 06:07:30PM -0200, Artur Costa Steiner wrote:
> Parece-me fundamental que se saiba que a razao historica do aparecimento dos
> complexos foi mesmo a tentaiva de achar sqrt(-1),

Uma das principais razões históricas para que se considerassem números
complexos foi a resolução de uma equação como x^3 + px + q = 0.
Vou contar a história como eu contaria para um aluno de ensino médio.
Bem, pensando bem, muitos de vocês *são* alunos de ensino médio,
não é mesmo? :-)

Considere a equação z^2 + b z + c = 0, com raízes z1 e z2.
Sabemos que z1+z2 = -b e que z1z2 = c.
Já vimos também como obter fórmulas para z1^2+z2^2 e outras
expressões simétricas envolvendo z1 e z2.
Quanto vale S = cbrt(z1) + cbrt(z2) (onde cbrt significa raiz cúbica)?
Bem, temos S^3 = z1 + 3 cbrt(z1)^2 cbrt(z2) + 3 cbrt(z1) cbrt(z2)^2 + z2 
ou S^3 = (z1 + z2) + 3 cbrt(z1z2) (cbrt(z1) + cbrt(z2))
ou S^3 = -b + 3 cbrt(c) S.
Assim S é uma das raízes da equação x^3 - 3 cbrt(c) x + b = 0.

Portanto, para resolver a equação x^3 + px + q = 0, tome b = q e c = -p^3/27.
Resolva a equação z^2 + b z + c = 0, encontrando raízes z1 e z2.
A solução para a sua equação original é x = cbrt(z1) + cbrt(z2).

Vamos fazer um exemplo. Resolva x^3 + 3x + 1 = 0. Temos b = 1 e c = -1.
Assim a equação auxiliar é z^2 + z - 1 = 0 que tem raízes
z1 = (-1+sqrt(5))/2 ~= 0.6180339880 e z2 = (-1-sqrt(5))/2 ~= -1.618033988.
De acordo com o que nós vimos acima a raiz da equação original deve ser
x = cbrt(z1) + cbrt(z2) ~= -0.3221853553. Se você substituir este valor
numérico na equação original vai ver que dá certo. Se você substituir
a fórmula exata para x (envolvendo raízes quadradas e cúbicas)
vai ter um pouco de trabalho para simplificar mas se fizer tudo direito
vai ver que também dá certo. Muito bem.

Vamos fazer outro exemplo. Resolva x^3 - 3x + 1. Seguindo a mesma receita,
temos b = c = 1 e a equação auxiliar é z^2 + z + 1 = 0 que não tem nenhuma
raiz real. Você poderia pensar que isto indica que a equação original (em x)
também não tem nenhuma raiz real, mas isto é falso: tomando f(x) = x^3 - 3x + 1
temos f(-2) = -1, f(-1) = 3, f(1) = -1, f(2) = 3 donde há claramente
pelo menos três raízes reais, uma entre -2 e -1, uma entre -1 e 1,
uma entre 1 e 2. Bem, na verdade há exatamente três raízes reais,
como um gráfico indica e como um pouco mais de álgebra demonstra.
Pq então nosso método deu errado?

Bem, que tal nós deixarmos indicadas as raízes quadradas de números
negativos quando elas aparecerem? Talvez elas se cancelem no final!
Se toparmos, as raízes da equação auxiliar ficam sendo 
z1 = (-1+sqrt(-3))/2 ~= - 0.5 + 0.8660254040 sqrt(-1) e
z2 = (-1-sqrt(-3))/2 ~= - 0.5 - 0.8660254040 sqrt(-1).
Precisamos agora calcular as raízes cúbicas destas coisas. O que fazer?

Hora para um pouco de mágica.
Escreva z = cos t + sen t sqrt(-1) e calcule z^3. Dá
z^3 = (cos^3 t - 3 cos t sen^2 t) + (3 cos^2 t sen t - sen^3 t) sqrt(-1);
para fazer esta conta só precisamos aceitar a presença de sqrt(-1)
e do fato tautológico que (sqrt(-1))^2 = -1.
Um pouco de trigonometria nos revela que
cos^3 t - 3 cos t sen^2 t = cos 3t e
3 cos^2 t sen t - sen^3 t = sen 3t
donde z^3 = cos 3t + sen 3t sqrt(-1).

Bem, nosso z1 pode ser escrito como
z1 = cos(120 graus) + sen(120 graus) sqrt(-1)
donde temos (pelo menos) três raízes cúbicas para z1:
w11 = cos(40 graus) + sen(40 graus) sqrt(-1),
w12 = cos(160 graus) + sen(160 graus) sqrt(-1),
w13 = cos(280 graus) + sen(280 graus) sqrt(-1).
Analogamente, temos três raízes cúbicas para z2:
w21 = cos(40 graus) - sen(40 graus) sqrt(-1),
w22 = cos(160 graus) - sen(160 graus) sqrt(-1),
w23 = cos(280 graus) - sen(280 graus) sqrt(-1).

Será que isso nos dá nove raízes para a equação original?
Voltando podemos conferir que devemos ter cbrt(z1)*cbrt(z2) = 1,
o que só dá certo se casarmos as raízes da forma certa:
w11 com w21, w12 com w22 e w13 com w23.
Somando desta maneira, obtemos três raízes para a equação original:
x1 = 2 cos(40 graus), x2 = 2 cos(160 graus) e x3 = 2 cos(280 graus).
As raízes quadradas de números negativos sumiram, como esperávamos.
Podemos calcular os valores numéricos e substituir: dá certo.
Podemos até verificar com um pouco de trigonometria que está exatamente certo.

Assim obtivemos três raízes "de verdade" (reais) usando no meio das
contas uns números "imaginários". Agora só precisamos perder a vergonha
de falar de sqrt(-1) e dar um nome curtinho, como i, pode ajudar.

Eu acho que é *isto* que deveria ser feito para apresentar números
complexos no ensino médio. Não depende de nada que um aluno de ensino
médio não tenha estudado. O fato de juntar álgebra e trigonometria
é uma grande vantagem, a meu ver. Não precisamos dizer aquela frase horrível,
às vezes necessária mas que raramente motiva o aluno:
"estude isso pq mais tarde você vai ver que é muito importante".
E ainda ensinamos a resolver a equação de grau 3.
Depois disso viriam exemplos de como resolver problemas de geometria plana
usando números complexos.

[]s, N.
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Instruções para entrar na lista, sair da lista e usar a lista em
http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau/olimp/obm-l.html
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