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Grupos Clássicos: Definições

Grupos clássicos é uma denominação empregada para alguns grupos de matrizes, ou de classes de matrizes, em que a operação do grupo provêm do produto matricial. Cada matriz-elemento de um grupo assim deve ser inversível, e logo seu determinante não se anula. O primeiro grupo clássico é Gln(A), dito o grupo linear geral, tendo como conjunto subjacente o conjunto das matrizes $n\times n$ com determinante não-nulo e coeficientes em um anel comutativo A; dotado do produto matricial, Gln(A) é um grupo.

Se $\mathcal{ U}(A)$ denota o grupo das unidades de um anel A então o determinante é um morfismo de grupos

\begin{displaymath}{\rm det}:Gl_n(A)\longrightarrow \mathcal{ U}(A),
\tag{\bf I.1.1}
\end{displaymath} (I.1.1)

cujo núcleo é o grupo clássico denotado por Sln(A) e dito o grupo linear especial. Assim Sln(A) é subgrupo normal de Gln(A). Se o anel A de constantes for um corpo (comutativo) k então o centro Zn de Gln(k) consiste nos múltiplos escalares $\lambda Id$ da matriz identidade Id, e logo Zn é isomorfo ao grupo multiplicativo $\mathcal{ U}(k)=k^*=k\setminus \{ 0\}$. O grupo quociente Gln(k)/Zn é denotado PGln(k) e é chamado de grupo linear geral projetivo. O centro de Sln(k) é $Z_n\cap
Sl_n(k)$ e consiste nos múltiplos escalares $\lambda Id$ da matriz identidade Id tais que $\lambda^n=1$. Assim, o centro de Sln(k) é sempre finito, e $
PSL_n(k):=Sl_n(k)/Z_n\cap Sl_n(k)$ é dito grupo linear especial projetivo. Por exemplo, se n=2 e a característica de k for diferente de 2 então
\begin{align}Gl_2(k)&=\left\{\ \begin{pmatrix}
a &b\\ c&d\end{pmatrix}
\ \vert...
...x}a &b\\ c&d\end{pmatrix}\ \vert \ ad-bc=1
\right\}/\pm Id. \notag
\end{align}
Outros grupos clássicos dependem de formas bilineares ou semi-lineares em V=kn; tais formas são funções
\begin{align}f(\bullet,\bullet):V\times V&\longrightarrow k \notag\\
(x,y)&\mapsto f(x,y),\notag
\end{align}
e são simétricas (resp., anti-simétricas) se, para todo $x,y\in V$, tivermos

\begin{displaymath}f(x,y)=f(y,x)\qquad {\rm resp.}
\ f(y,x)=-f(x,y).\end{displaymath}

Se uma tal forma é linear nas duas coordenadas ela é dita bilinear, e é dita não-singular se não existe x0 tal que f(x0,x)=0 para todo x. Trataremos ainda de formas no caso em que o corpo k tem uma involução $\alpha\mapsto \overline{\alpha}$ (o caso paradigma é $k={\bf C}$, o corpo dos complexos, com a conjugação), e a forma é hermitiana, no sentido em que satisfaz

\begin{displaymath}f(x,y)=\overline{f(y,x)}.\end{displaymath}

Neste caso assume-se que a forma é linear na primeira coordenada e anti-linear na segunda, isto é,

\begin{displaymath}f(x,\alpha_1y_1+\alpha_2y_2)=
\overline{\alpha_1}f(x,y_1)
+\overline{\alpha_2}f(x,y_2).\end{displaymath}

Dado um espaço vetorial V de dimensão n sobre um corpo k e uma forma $f(\bullet ,\bullet)$ de qualquer destes tipos, as matrizes M em Gln(k) que preservam esta forma, no sentido de satisfazerem

\begin{displaymath}f(Mx,My)=f(x,y)\qquad {\rm para\ todos\ }
x,y\in V\end{displaymath}

formam um grupo clássico. Se a forma $f(\bullet ,\bullet)$ é não-singular e anti-simétrica então o grupo de matrizes $n\times n$ com coeficientes em k que preservam esta forma é chamado o grupo simplético, denotado por Spn(k). A estrutura de grupo de Spn(k) independe da escolha da forma bilinear antisimétrica, que pode ser tomada como
\begin{align}f(x,y) &= \sum_{1\le i\le n/2}
(x_{2i-1}y_{2i}-x_{2i}y_{2i-1})= x^...
...ix} \notag\\
B &= \begin{pmatrix}0&1\\ -1&0 \end{pmatrix}. \notag
\end{align}
Assim, n é sempre um número par. As matrizes $M\in Sp_n(k)$ são descritas pela condição

MtAM=A.

O centro Z(Spn(k) de Spn(k) consiste nas matrizes $M=\lambda Id$ onde $\lambda =\pm 1$, e o quociente Spn(k)/Z(Spn(k)) é dito o grupo simplético projetivo. Se n=2 então

\begin{displaymath}Sp_2(k)=Sl_2(k)\ {\rm e}\ PSp_2(k)=PSl_2(k).\end{displaymath}

No caso de $f(\bullet ,\bullet)$ ser não-singular, bilinear e simétrica, e o corpo k ter característica diferente de 2, os grupos de matrizes que preservam $f(\bullet ,\bullet)$ são os chamados grupos ortogonais; em geral a classe de isomorfismo destes grupos depende da escolha de $f(\bullet ,\bullet)$, e logo estes grupos devem vir denotados por On(k,f). O número de formas $f(\bullet ,\bullet)$ que geram grupos não isomorfos depende do corpo de constantes k. O determinante de qualquer matriz em On(k,f) é $\pm 1$, e o grupo de matrizes de determinante um em $O_n(k,f)\cap Sl_n(k)$ é denotado por SOn(k,f). O centro Z(On(k,f)) consiste nas matrizes $M=\lambda Id$ onde $\lambda =\pm 1$, e o quociente $SO_n(k,f)/Z(O_n(k,f))\cap
SO_n(k,f)$ é denotado PSOn(k,f). O núcleo SOn(k,f) de

\begin{displaymath}\det:O_n(k,f)\longrightarrow \{ \ \pm 1
\ \}\end{displaymath}

é abeliano, e deve conter os comutadores M1M2M1-1M2-1. O grupo comutador $\Omega_n(k,f)$, gerado por estes comutadores, é assim um subgrupo de SOn(k,f). Definimos

\begin{displaymath}P\Omega_n(k,f)=\Omega_n(k,f)/(Z(O_n(k,f))
\cap \Omega_n(k,f)).\end{displaymath}

No caso de k ser dotado de uma involução $\alpha\mapsto \alpha$ e $f(\bullet ,\bullet)$ ser hermitiana os grupos de matrizes não-singulares que preservam esta forma são os grupos unitários; como no caso dos grupos ortogonais, os grupos unitários dependem da escolha de $f(\bullet ,\bullet)$, e devem ser denotados por Un(k,f). As matrizes em Un(k,f) de determinante um formam um subgrupo SUn(k,f). O centro Z(Un(k,f) de Un(k,f) é formado por $\{ \lambda Id\ \vert\ \lambda \overline{\lambda}=
1\}$, e

\begin{displaymath}Z(SU_n(k,f))=Z(U_n(k,f))\cap SU_n(k,f).\end{displaymath}

Denotamos

\begin{displaymath}PU_n(k,f)=U_n(k,f)/Z(U_n(k,f))\qquad
{\rm e}\qquad
PSU_n(k,f)=SU_n(k,f)/Z(SU_n(k,f)).\end{displaymath}


Exemplos e Exercícios


1. Grupos clássicos sobre um corpo finito. O corpo finito com q=pr elementos será denotado por ${\bf F}_q$. Temos
\begin{align}PSl_2({\bf F}_2) &= Sl_2({\bf F}_2) \notag\\
&= \left\{ \begin{pm...
...pmatrix},
\begin{pmatrix}0 & 1\\ 1&1 \end{pmatrix} \right\} \notag
\end{align}
donde $PSl_2({\bf F}_2)$ é isomorfo ao grupo S3 e o subgrupo

\begin{displaymath}\left\{ \begin{pmatrix}1 & 0\\ 0&1 \end{pmatrix},
\begin{pma...
...d{pmatrix},
\begin{pmatrix}0 & 1\\ 1&1 \end{pmatrix} \right\} \end{displaymath}

é normal em $PSl_2({\bf F}_2)$.

Sobre ${\bf F}_3$ o grupo PSl2 consiste de classes de matrizes; a descrição abaixo identifica cada matriz com a classe a que pertence:
\begin{align}PSl_2({\bf F}_2) &= Sl_2({\bf F}_2)/\pm Id \notag\\
&= \{ \begin{...
...d{pmatrix},
\begin{pmatrix}0 & 2 \\ 1 & 1 \end{pmatrix} \}. \notag
\end{align}
donde $PSl_2({\bf F}_3)$ é isomorfo ao grupo A4 e o subgrupo

\begin{displaymath}\left\{\ \begin{pmatrix}1 & 1
\\ 1&2\end{pmatrix},
\begin{p...
...d{pmatrix},
\begin{pmatrix}0 & 1\\ 2&0\end{pmatrix}\ \right\},\end{displaymath}

isomorfo a ${\bf Z}/2{\bf Z}\times
{\bf Z}/2{\bf Z}$, é normal em $PSl_2({\bf F}_3)$.

Estes são, no entanto, os únicos casos em que $PSl_2({\bf F}_q)$ não é simples. Para n=2 e $q\ge 4$, e para n> 2 os grupos $PSl_2({\bf F}_q)$ são simples e formam a família mais tratável (a parte os grupos cíclicos de ordem prima e os grupos alternados An para $n\ge 5$) no grande teorema de classificação de grupos finitos simples (ver o material recolhido em 3. abaixo). A ordem de $PSl_n({\bf F}_q)$ é dada por

\begin{displaymath}card(PSl_n({\bf F}_q)) =
\frac{q^{\binom{n}{2}}}{\operatorname{mdc}(n,q-1)}
\prod_{2\le i \le n}(q^i-1).
\end{displaymath}

Temos $PSp_2({\bf F}_2)=PSl_2({\bf F}_2)$ isomorfo a S3 e $PSp_2({\bf F}_3)=PSl_2({\bf F}_3)$ isomorfo a A4. Também $PSp_4({\bf F}_2)$ não é simples; estes são, contudo, os únicos exemplos de $PSp_n({\bf F}_q)$ não-simples. A ordem de $PSp_n({\bf F}_q)$ é dada por

\begin{displaymath}card(PSp_n({\bf F}_q))=
\frac{q^{\binom{n}{2}^2}}{\operatorname{mdc}(n,q-1)}
\prod_{1\le i \le n/2}(q^{2i}-1).
\end{displaymath}

Se a característica do corpo k for diferente de dois e n=2l+1 for ímpar então o grupo $P\Omega_n({\bf F}_q)$ é simples se l>1, e tem sua ordem dada por

\begin{displaymath}card(P\Omega_n({\bf F}_q)) =
\frac{q^{(\frac{n-1}{2})^2}}{\operatorname{mdc}(2,q-1)}
\prod_{1\le i \le (n-1)/2}(q^{2i}-1).
\end{displaymath}

Se n=2l for par então existem dois grupos não isomorfos e simples se l>2, dependendo da escolha da forma bilinear simétrica. Estes grupos são denotados por $P\Omega_n^+({\bf F}_q)$ e $P\Omega_n^-({\bf F}_q)$, e tem ordens dadas por

\begin{displaymath}card(P\Omega_n^+({\bf F}_q)) =
\frac{q^{l(l-1)}}{\operatorname{mdc}(4,q-1)}
\prod_{1\le i \le n/2}(q^{2i}-1)
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}card(P\Omega_n^-({\bf F}_q)) =
\frac{q^{l(l-1)}}{\operatorname{mdc}(2,q+1)}
[\prod_{1\le i \le (n/2)-1}(q^{2i}-1)](q^l+1).
\end{displaymath}

Um grupo unitário finito depende de uma forma sesqui-linear, que por sua vez depende do automorfismo involutivo $\alpha\mapsto \overline{\alpha}$. Só existe um tal automorfismo se a cardinalidade do corpo for um quadrado q2. Sobre um corpo de constantes fixo ${\bf F}_{q^2}$ os grupos unitários são isomorfos entre si, e os grupos $PSU_n({\bf F}_{q^2})$ são simples exceto quando n=2 e q=2 ou 3 e n=3 e q=2. A ordem é dada por

\begin{displaymath}card(PSU_n({\bf F}_{q^2}))=
\frac{q^{n(n-1)/2}}{\operatorname{mdc}(n,q-1)}
\prod_{2\le i \le n}(q^i-(-1)^i1).
\end{displaymath}


2. A simplicidade de $PSL_2({\bf F}_q)$. No caso de A=k ser um corpo o determinante (I.1.1) como homomorfismo de grupos admite uma seção
\begin{align}\mathcal{ U}(k)&\longrightarrow Gl_n(k) \notag\\
\mu&\mapsto D(\m...
...&1&\cdots &0\\
&&\ldots &\\
0&0&\cdots &\mu\end{pmatrix},\notag
\end{align}
e realiza Gln(k) como produto semi-direto de Sln(k) e $\mathcal{ U}(k)=k^*$. Isto significa que toda matriz $A\in
Gl_n(k)$ se escreve de forma única

\begin{displaymath}A=U_A.D(\det (A)).\tag{\bf 2.1}
\end{displaymath} (2.1)

Se $E_{ij}=(\delta_{ij})$ é a matriz com entradas nulas exceto pela entrada na iesima linha e jesima coluna, que é igual a um, então para $i\not= j$ a matriz $B_{ij}(\mu)=Id+\mu E_{ij}$ é dita uma transvecção. Vale

\begin{displaymath}B_{ij} (\mu)B_{ij}(\lambda)=B_{ij}(\mu+\lambda),
\tag{\bf 2.2}
\end{displaymath} (2.2)

e $B_{ij}(\mu)\in Sl_n(k)$, e de fato Sln(k) é o subgrupo de Gln(k) gerado por transvecções.

Se n=2 e $k={\bf F}_q$ então o grupo $Sl_2({\bf F}_q)$ se manifesta como o grupo de transformações lineares fracionárias

\begin{displaymath}f(x)=\frac{ax+b}{cx+d}\qquad {\rm onde}
\ ad-bc=1.\tag{\bf 2.3}
\end{displaymath} (2.3)

Seja H subgrupo normal de $Sl_2({\bf F}_q)$. Se a transvecção $B_{ij}(\mu)$ estiver em H então $H=Sl_2({\bf F}_q)$. De fato, para $\begin{pmatrix}a&b\\ c&d
\end{pmatrix}\in
Sl_2({\bf F}_q)$ a normalidade de H implica
\begin{align}\begin{pmatrix}a&b\\ c&d\end{pmatrix}
\begin{pmatrix}1&\mu\\ 0&1\e...
...\mbox{se $a=0$ }.
\end{cases}
\qquad
\in Sl_2({\bf F}_q).\notag
\end{align}
O endomorfismo $x\mapsto x^2$ de ${\bf F}_q^*$ tem como núcleo as raízes de x2-1. Como existem no máximo duas destas raízes, pelo menos metade dos elementos de ${\bf F}_q^*$ são quadrados.

Por causa de (2.2) o conjunto

\begin{displaymath}L=\{\ \lambda\in{\bf F}_q\ \vert\ B_{12}(\lambda)\in H
\ \}\cup \{ 0\}\end{displaymath}

é subgrupo do grupo aditivo de ${\bf F}_q$, que contem todos os elementos do tipo $B_{12}(\mu a^2)$, e logo contem mais da metade dos elementos de ${\bf F}_q$. Pelo Teorema de Lagrange $L={\bf F}_q$ e H contem todas as transvecções $B_{12}
(\lambda)$. Analogamente, $B_{21}(\lambda)\in H$, e H contem todas as transvecções, isto é, $H=Sl_2({\bf F}_q)$.

Para provar a simplicidade de $PSl_2({\bf F}_q)$ é suficiente provar que se H for um subgrupo normal de $Sl_2({\bf F}_q)$ contendo o centro $Z(Sl_2({\bf F}_q))=\{ \lambda Id\ \vert\ \lambda^2=1\}$ então necessariamnete $H=Sl_2({\bf F}_q)$. Se H contiver a matriz $A=\begin{pmatrix}a&0\\ c&d\end{pmatrix}$, para $a\not= \pm 1$ então H também contem, para $S=\begin{pmatrix}1&0\\ 1&1\end{pmatrix}\in
Sl_2({\bf F}_q)$, a matriz

\begin{displaymath}SAS^{-1}A^{-1}=\begin{pmatrix}1&0\\
1-d^2&1\end{pmatrix}\in H.\end{displaymath}

Como $\det (A)=1=ad$ vale $d\not= \pm 1$ e $1-d^2\not= 0$, e SAS-1A-1=B21(1-d2), e logo $H=Sl_2({\bf F}_q)$ pelo visto acima.

Assim, resta mostrar que H contem alguma matriz $A=\begin{pmatrix}a&0\\ c&d\end{pmatrix}$ com $a\not= \pm 1$. Seja $M=\begin{pmatrix}a&b\\ c&d\end{pmatrix}
\in H$ matriz em H não no centro $Z(Sl_2({\bf F}_q))$ com polinômio mínimo $x^2+\gamma x+1$. Se este polinômio se fatorar em ${\bf F}_q$ então M é similar a uma matriz diagonal, caso contrário M é similar à matriz na forma canônica racional

\begin{displaymath}\begin{pmatrix}0&-1\\ 1& -\gamma \end{pmatrix}.\end{displaymath}

A matriz $S\in Gl_2({\bf F}_q)$ que realiza a similaridade se decompõe como em (2.1) $S=U_S.D(\delta)$, onde $\delta =\det(S)$ e $U_S\in Sl_2({\bf F}_q)$, e logo no primeiro caso

\begin{displaymath}M=S
\begin{pmatrix}\alpha^{-1} &0\\ 0&\alpha\end{pmatrix}
S...
...begin{pmatrix}\alpha^{-1} &0\\
0&\alpha\end{pmatrix}U_S^{-1}\end{displaymath}

(porque matrizes diagonais comutam), e logo $A=\begin{pmatrix}\alpha^{-1} &0\\
0&\alpha\end{pmatrix}=
U_S^{-1}MU_S\in Sl_2({\bf F}_q)$ satisfaz as exigências, já que $\alpha^{-1}\not= \pm 1$ porque M não está no centro $Z(Sl_2({\bf F}_q))$. Se M não for diagonalizável então de qualquer forma por normalidade H conterá a matriz

\begin{displaymath}C=U_S^{-1}MU_S=\begin{pmatrix}1&0\\ 0&\delta
\end{pmatrix}
...
...\begin{pmatrix}0&-\delta^{-1}\\
\delta &-\gamma\end{pmatrix}.\end{displaymath}

Para $T=\begin{pmatrix}\alpha^{-1}&0\\
0&\alpha\end{pmatrix}\in
Sl_2({\bf F}_q)$ vale que H certamente conterá

\begin{displaymath}U=TCT^{-1}C^{-1}=
\begin{pmatrix}\alpha^{-2}&0\\
\delta \gamma(\alpha^2-1)&\alpha^2\end{pmatrix},\end{displaymath}

e só resta escolher $\alpha$ tal que $\alpha^2
\not= \pm 1$, isto é, $\alpha$ não sendo raiz de x4-1. Isto é possível se q=4 e se q>5. Para q=5 o grupo $PSl_2({\bf F}_5)$ é também simples, com uma escolha mais delicada de matrizes $M\in H$.

Valem os isomorfismos

\begin{displaymath}PSl_2({\bf F}_5)\simeq
PSl_2({\bf F}_4)\simeq A_5,\end{displaymath}

o grupo alternado de 60 elementos. Para q=7 o grupo $PSl_2({\bf F}_7)$ é um grupo simples não abeliano nem isomorfo a um grupo alternado, já que sua ordem 168 não é da forma $\frac{1}
{2}n!$. No entanto, $PSl_2({\bf F}_9)$ volta a ser isomorfo ao grupo alternado A6.


3. Um olhar de relance sobre grupos simples. Para listar todos os grupos simples finitos nos é possível, ao final do século XX, enfim seguir o fenomenal conselho do rei de copas em Alice no País das Maravilhas: ``Comece pelo começo e vá prosseguindo até chegar ao fim, e então pare''. Esta lista, agora afinal completa (ao que parece, pace opiniões divergentes sobre a insuficiência da documentação de certas provas), começa de uma forma modesta: os grupos cíclicos ${\bf Z}/p{\bf Z}$ de ordem finita p são simples, não tendo nenhum subgrupo normal, de fato não tendo subgrupo algum. Em ordem de complexidade vem os grupos alternados An para $n\ge 5$, mas não só a prova da simplicidade destes grupos é mais complicada como existem as ``exceções'' A3 e A4.

Os próximos grupos simples da lista são os grupos clássicos sobre corpos finitos listados em 1., que tem uma forte tendência à simplicidade, embora existam exceções. O padrão da procura é as provas de simplicidade ficarem cada vez mais complexas em cada família infinita, com esta complexidade atestada pela existência de exceções, até o ponto em que aparecem exceções fora das famílias: os grupos simples esporádicos, vinte e seis grupos simples que não se enquadram em nenhuma das famílias infinitas.

Os grupos alternados e os grupos clássicos se manifestam a partir de uma ação natural, os grupos alternados An aparecendo como permutações pares do conjunto $\{ 1,\ldots ,n\}$ e os grupos clássicos como homorfismos de espaços vetoriais ou de espaços projetivos (submetidos a restrições de preservar formas). Outros grupos simples finitos foram descobertos em situações similares, como grupos de permutação de sistemas combinatórios. A situação geral pode ser formalizada da seguinte forma: dada uma categoria C e um objeto C de C, uma representação de um grupo G em C é um homomorfismo de grupos

\begin{displaymath}\rho:G\longrightarrow {\it Aut}_{\bf C}(C,C),\end{displaymath}

onde ${\it Aut}_{\bf C}(C,C)$ são os homomorfismos em ${\it Hom}_{\bf C}(C,C)$ que admitem inversa. O conjunto ${\it Aut}_{\bf C}(C,C)$ tem uma estrutura de grupo dada pela composição categórica $\circ$ (ver A.1). Para ${\bf C}={\bf Vect}_k$, a categoria de espaços vetoriais sobre um corpo k, esta situação é chamada de representação linear, e para ${\bf C}={\bf Conj}$, a categoria dos conjuntos, é usada a terminologia ação. A representação é fiel se $\rho$ for monomorfismo, e o grau da representação é a cardinalidade de C.

Tipicamente C é uma categoria concreta, admitindo um funtor de esquecimento ${\bf C}
\rightarrow {\bf Conj}$: os objetos de C são conjuntos dotados de estrutura. Se $\rho$ for uma representação em C, para $c\in C$ o grupo de isotropia Gc é o subgrupo de G dado por

\begin{displaymath}G_c:=\{\ g\in G\ \vert\ \rho(g)(c)=c\ \}.\end{displaymath}

A representação é transitiva se para $c_1,c_2\in C$ existir um $g\in G$ com $\rho(g)(c_1)=c_2$, e é regular se, além de transitiva, o grupo de isotropia Gc de qualquer $c\in C$ é trivial, de forma que em uma representação regular para $c_1,c_2\in C$ existe um único $g\in G$ com $\rho(g)(c_1)=c_2$. Vale que se $\rho$ for transitiva (resp., regular) então

\begin{displaymath}card(G)=card(C).card(G_c)\ {\rm para\ todo\ }
c\in C\qquad {\rm (resp.,}\ card(G)=card(C)).\end{displaymath}

Dada uma representação $\rho$ de G em C define-se, para n inteiro positivo,

\begin{displaymath}C^{[n]}:=\{\ (c_1,\ldots,c_n)\ \vert\ c_i\not= c_j
\ {\rm para}\ i\not= j\ \}\subset C^n,\end{displaymath}

e a representação $\rho$ se estende para uma representação $\rho_n$

\begin{displaymath}\rho_n(g)((c_1,\ldots,c_n))=(\rho(g)(c_1),
\ldots ,\rho(g)(c_n)).\end{displaymath}

A representação $\rho$ é chamada n-transitiva de $\rho_n$ for transitiva e estritamente n-transitiva se $\rho_n$ for regular. Como exemplos: o grupo simétrico Sn é estritamente n-transitivo, e se n>2 o grupo alternado An é estritamente (n-2)-transitivo; além disso, os únicos grupos (n-2)-transitivos de grau n são Sn e An, e o único grupo (n-1)-transitivo de grau n é Sn.

O grupo clássico $PGl_2({\bf F}_q)$ age naturalmente na reta projetiva ${\bf F}_q\cup
\{\infty\}$, o grupo de isotropia de $\infty$ sendo dado por

\begin{displaymath}PGl_2({\bf F}_q)_\infty=\{
\begin{pmatrix}a&b\\ 0&d\end{pmatrix}
\vert\ ad\not= 0\ \},\end{displaymath}

(identificando a classe de equivalência com alguma matriz representante). Com esta representação $PGl_2({\bf F}_q)_\infty$ é estritamente 2-transitivo de grau q e $PGl_2({\bf F}_q)$ é estritamente 3-transitivo de grau q+1.

Se q=(q')2 for um quadrado então $\sigma:\alpha\mapsto \alpha^{q'}$ é automorfismo involutivo de ${\bf F}_q$, que pode ser extendido a um automorfismo da reta projetiva ${\bf F}_q\cup
\{\infty\}$ por $\sigma(\infty)=\infty$. Vendo $PGl_2({\bf F}_q)$ como grupo de transformações lineares fracionárias ((2.3), isto é, identificando $\begin{pmatrix}
a&b\\ c&d\end{pmatrix}$ com $x\mapsto \frac{ax+b}{cx+d}$), e considerando o grupo $H({\bf F}_q)$ de transformações na reta projetiva ${\bf F}_q\cup
\{\infty\}$ dado por

\begin{displaymath}H({\bf F}_q)=
\{\ x\mapsto \frac{ax+b}{cx+d}\ \vert\ ad-bc\i...
...a(x)+d}\ \vert
\ ad-bc\in {\bf F}_q\setminus {\bf F}_{q'}\ \},\end{displaymath}

o grupo de isotropia de $\infty$ é dado por

\begin{displaymath}H({\bf F}_q)_\infty=\{\ x\mapsto ax+b\ \vert\ a\in
{\bf F}_{...
...\sigma(x)+b\ \vert
\ a\in {\bf F}_q\setminus {\bf F}_{q'}\ \}.\end{displaymath}

Com estas representações o grupo $H({\bf F}_q)_\infty$ é estritamente 2-transitivo de grau q e o grupo $H({\bf F}_q)$ (que não é isomorfo a $PGl_2({\bf F}_q)$) é estritamente 3-transitivo de grau q+1. Um teorema de Zassenhaus, algo no espírito do teorema de classificação, afirma que isto esgota a lista de grupos estritamente 3-transitivos: qualquer grupo estritamente 3-transitivo ou é um $PGl_2({\bf F}_q)$ ou é um $H({\bf F}_q)$.

Existem grupos estritamente 4-transitivos e grupos 5-transitivos (não isomorfos a grupos simétricos e alternados), mas segue do teorema de classificação que não existem grupos n-transitivos para $n\ge 6$. De fato, Jordan mostrou em 1872 que para $n\ge 4$ só podem existir grupos estritamente n-transitivos (não isomorfos a grupos simétricos ou alternados) se n=4, e neste caso o grau da representação é 11, ou n=5, e neste caso o grau da representação é 12. Estas cotas são atingidas: existem grupos assim. De fato, existem grupos assim que são grupos simples e esporádicos (isto é, não isomorfos a nenhum elemento das famílias clássicas). Estes grupos são os grupos M11 e M12 descobertos por Mathieu em 1861.

Frequentemente a categoria C em que se representa um grupo tem aspectos combinatórios interessantes. Por exemplo, um sistema de Steiner $\mathcal{ S}_{r,s,t}$ de tipo (r,s,t) consiste em um conjunto A de cardinalidade t e um conjunto $\{ B_i\}$ de subconjuntos $B_i
\subset A$, com card(Bi)=s tal que para cada subconjunto $C\subset A$ com card(C)=r existe exatamente um i com $C\subset B_i$. Uma estrutura assim admite morfismos evidentes (os subconjuntos Bi de um sistema sendo levados nos subconjuntos do outro), definindo uma categoria St que, por serem como são as coisas, é muito pequena: neste mundo existem poucos sistemas de Steiner. Por exemplo, a menos de isomorfismo só existe um sistema de Steiner $\mathcal{ S}_{r,s,t}$ de tipo (r,s,t)=(5,6,12), ou de tipo (5,8,24). No entanto, uma surpresa:

\begin{displaymath}M_{12}={\it Aut}_{\bf St}(\mathcal{ S}_{5,6,12},
\mathcal{ S}_{5,6,12}),\end{displaymath}

isto é o grupo de automorfismo do sistema de Steiner $\mathcal{ S}_{5,6,12}$ é o grupo de Mathieu M12. O grupo

\begin{displaymath}M_{24}={\it Aut}_{\bf St}(\mathcal{ S}_{5,8,24},
\mathcal{ S}_{5,8,24})\end{displaymath}

é ainda outro grupo simples descoberto por Mathieu; M12 e M24 são os únicos grupos 5-transitivos conhecidos (a parte os grupos simétricos e alternados).

Dado um sistema de Steiner de tipo (r,s,t) sobre um conjunto A, destacando um elemento $a\in A$ define-se um sistema de Steiner de tipo (r-1, s-1,t-1) sobre $A\setminus \{a\}$ tomando como subconjuntos $B_i\setminus \{a\}$ onde Bi são todos os subconjuntos do sistema original que contem a. Dado o sistema $\mathcal{ S}_{5,6,12}$, o sistema $\mathcal{ S}_{4,5,11}$ que resulta deste processo tem como grupo de automorfismos o grupo de Mathieu M11, e dado o sistema $\mathcal{ S}_{5,8,24}$, o sistema $\mathcal{ S}_{4,7,23}$ que resulta deste processo tem como grupo de automorfismos um quarto grupo simples M23 ainda descoberto por Mathieu. O grupo M11 é o grupo de isotropia de um símbolo de M12, e o grupo M23 é o grupo de isotropia de um símbolo de M24. O grupo de isotropia de um símbolo de M23 é ainda um último grupo simples M22 descoberto por Mathieu; este grupo M22 é um subgrupo de ${\it Aut}_{\bf St}
(\mathcal{ S}_{3,5,22},
\mathcal{ S}_{3,6,22})$ de índice dois, onde $\mathcal{ S}_{3,5,22}$ é o sistema de Steiner obtido a partir de $\mathcal{ S}_{4,5,23}$.

Outros grupos começam a se repetir, ou não são simples: por exemplo, o grupo de isotropia de um símbolo de M23 é o grupo clássico $PSl_3({\bf F}_4)$ (e logo não é um grupo novo, esporádico), enquanto que o grupo de isotropia de um símbolo de M11 tem um subgrupo (isomorfo a $PSl_2({\bf F}_9)$) de índice dois (e logo normal) e assim este grupo não é simples.

Os grupos de Mathieu M11,M12,M22,M23 e M24 foram os únicos grupos esporádicos descobertos no século XIX. Suas ordens são dadas por:
\begin{align}card(M_{11})&=2^4.3^2.5.11\notag\\
card(M_{12})&=2^6.3^3.5.11\not...
...7.3^2.5.7.11.23\notag\\
card(M_{24})&=2^{10}.3^3.5.7.11.23.\notag
\end{align}
Os demais vinte e cinco grupos esporádicos foram descobertos no século XX; de fato, foram decobertos entre 1950 e 1980.


Referências.


A bibliografia sobre grupos clássicos é imensa. Os livros de Weyl [W] e de Dieudonné [D] são clássicos.

A classificação dos grupos simples deveria ser cantada em versos épicos. Enquanto tal não acontece, permanece dispersa em uma quantidade de artigos feitos por e para especialistas. Quem mais trabalhou para remediar este estado de coisas foi Daniel Gorenstein, do qual citamos [Go].


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Nicolau C. Saldanha
1999-08-10