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Primos de Mersenne

Lembramos que um número de Mersenne é um número da forma Mp = 2p - 1. Vejamos primeiramente que 2p - 1 só tem chance de ser primo quando p é primo.

Proposição 3.11: Se 2n - 1 é primo então n é primo.

Dem: Se n = ab com $a, b \ge 2$ então 1 < 2a - 1 < 2n - 1 e $2^n - 1 = 2^{ab} - 1 = (2^a)^b - 1 \equiv 1^b - 1 = 0 \pmod {2^a - 1}$e 2n - 1 é composto.          $\blacksquare$

Por outro lado, não se sabe demonstrar nem que existam infinitos primos de Mersenne nem que existem infinitos primos ppara os quais Mp é composto. Conjectura-se, entretanto, que existam infinitos primos ppara os quais Mp é primo e que, se pn é o n-ésimo primo deste tipo, temos

\begin{displaymath}0 < A < \frac{\log p_n}{n} < B < +\infty \end{displaymath}

para constantes A e B. Existem algumas conjecturas mais precisas quanto ao valor de

\begin{displaymath}\lim_{n \to \infty} \sqrt[n]{p_n}; \end{displaymath}

Eberhart conjectura que este limite exista e seja igual a 3/2; Wagstaff por outro lado conjectura que o limite seja

\begin{displaymath}2^{e^{-\gamma}} \approx 1,4757613971 \end{displaymath}

onde $\gamma$ é a já mencionada constante de Euler-Mascheroni.

Primos de Mersenne são interessantes também por causa de números perfeitos. Dado $n \in {\mathbb{N} }^\ast$, definimos

\begin{displaymath}\sigma(n) = \sum_{d\vert n} d,\end{displaymath}

a soma dos divisores (positivos) de n. Pelo teorema fundamental da aritmética demonstramos facilmente que se

\begin{displaymath}n = p_1^{e_1} p_2^{e_2} \cdots p_m^{e_m},\end{displaymath}

com $p_1 < p_2 < \cdots < p_m$ então
\begin{align}\sigma(n) &=
(1 + p_1 + \cdots + p_1^{e_1})\cdots (1 + p_m + \cdots...
... + 1} - 1}{p_1 - 1} \cdots \frac{p_m^{e_m + 1} - 1}{p_m - 1}.
\notag
\end{align}
Em particular, se (a,b) = 1 então $\sigma(ab) = \sigma(a) \sigma(b)$. Um inteiro positivo n é dito perfeito se $\sigma(n) = 2n$; os primeiros números perfeitos são 6, 28 e 496. Nosso próximo resultado caracteriza os números perfeitos pares.

Proposição 3.12: Se Mp é um primo de Mersenne então 2p-1 Mp é perfeito. Além disso, todo número perfeito par é da 2p-1 Mp para algum primo p, sendo Mp um primo de Mersenne.

Dem: Se Mp é primo então

\begin{displaymath}\sigma(2^{p-1} M_p) = (2^p - 1)(M_p + 1) = 2 \cdot 2^{p-1} M_p.\end{displaymath}

Por outro lado seja n = 2k b, com k > 0 e b ímpar, um número perfeito par. Temos $\sigma(n) = 2n = \sigma(2^k) \sigma(b)$ donde $2^{k+1} b = (2^{k+1} - 1) \sigma(b) \ge (2^{k+1} - 1)(b+1)$, valendo a igualdade apenas se b for primo. Desta desigualdade temos $b \le 2^{k+1} - 1$. Por outro lado, como (2k+1 - 1)| 2k+1 b e (2k+1 - 1, 2k+1) = 1, temos (2k+1 - 1)|be $2^{k+1} - 1 \le b$. Assim b = 2k+1 - 1 e 2k+1 b = (2k+1 - 1)(b+1), donde b é primo. Pela proposição 3.9, p = k+1 é primo, b = Mp e n = 2p-1 Mp.          $\blacksquare$

Por outro lado, um dos problemas em aberto mais antigos da matemática é o da existência de números perfeitos ímpares. Sabe-se apenas que um número perfeito ímpar, se existir, deve ser muito grande (mais de 300 algarismos) e satisfazer simultaneamente várias condições complicadas.

Conjectura 3.13: Não existe nenhum número perfeito ímpar.

Nosso próximo resultado é o critério de Lucas-Lehmer, a base dos algoritmos que testam para grandes valores de pse 2p - 1 é ou não primo:

Teorema 3.14: Seja S a seqüência definida por S0 = 4, Sk+1 = Sk2 - 2 para todo natural k. Seja n > 2; Mn = 2n - 1 é primo se e somente se Sn-2 é múltiplo de Mn.

Dem: Observemos inicialmente que

\begin{displaymath}S_n = (2+\sqrt{3})^{2^n} + (2-\sqrt{3})^{2^n}\end{displaymath}

para todo natural n. A demonstração por indução é simples: claramente $S_0 = 4 = (2+\sqrt{3})^{2^0} + (2-\sqrt{3})^{2^0}$ e
\begin{align}S_{k+1} &= S_k^2 - 2 \notag\\
&= ((2+\sqrt{3})^{2^k} + (2-\sqrt{3}...
... \notag\\
&= (2+\sqrt{3})^{2^{k+1}} + (2-\sqrt{3})^{2^{k+1}}.\notag
\end{align}

Suponha por absurdo que $M_n \vert (2+\sqrt{3})^{2^{n-2}} + (2-\sqrt{3})^{2^{n-2}}$e que Mn seja composto, com um fator primo q com q2 < Mn. Teremos $(2+\sqrt{3})^{2^{n-2}} + (2-\sqrt{3})^{2^{n-2}} \equiv 0 \pmod q$donde, no grupo multiplicativo $G = ({\mathbb{Z} }/(q) [\sqrt{3}])^\ast$, temos $(2+\sqrt{3})^{2^{n-2}} = - (2-\sqrt{3})^{2^{n-2}}.$Como $2 - \sqrt{3} = (2 + \sqrt{3})^{-1}$ esta equação pode ser reescrita como $(2+\sqrt{3})^{2^{n-1}} = -1$ (ainda em G), o que significa que a ordem de $2+\sqrt{3}$ em G é exatamente 2n. Isto é um absurdo, pois o número de elementos de G é apenas q2 - 1 < 2n. Fica portanto demonstrado que se Sn-2 é múltiplo de Mnentão Mn é primo.

Suponha agora Mn primo, n > 2. Lembramos que n é um primo ímpar. Por reciprocidade quadrática temos $(\frac{3}{M_n}) = - (\frac{M_n}{3}) = -1$, pois $3 \equiv M_n \equiv -1 \pmod 4$ e $M_n \equiv 1 \pmod 3$. Assim, 3 não é um quadrado em ${\mathbb{Z} }/(M_p)$ e $K = {\mathbb{Z} }/(M_p)[\sqrt{3}]$ é um corpo de ordem Mn2. Queremos provar que $(2+\sqrt{3})^{2^{n-2}} + (2-\sqrt{3})^{2^{n-2}} \equiv 0 \pmod M_p$, ou seja, que é igual a 0 em K. Isto equivale a demonstrarmos que temos $(2+\sqrt{3})^{2^{n-2}} = - (2-\sqrt{3})^{2^{n-2}}$ em K, o que pode ser reescrito como $(2+\sqrt{3})^{2^{n-1}} = -1$; devemos portanto provar que a ordem de $2+\sqrt{3}$ é exatamente 2n. Note que 2n = Mn + 1 donde $(2 + \sqrt{3})^{2^n} = (2 + \sqrt{3})^{M_n} (2 + \sqrt{3}) =
(2 - \sqrt{3}) (2 + \sqrt{3}) = 1$; assim é claro que a ordem de $2+\sqrt{3}$ é um divisor de 2n.

Como $K^\ast$ tem Mn2 - 1 = 2n+1(2n-1 - 1) elementos, devemos provar que $2+\sqrt{3}$ não é uma quarta potência em K. Note que $(2 + \sqrt{3})^{2^n} = 1$ demonstra que $2+\sqrt{3}$é um quadrado, o que aliás pode ser visto mais diretamente: $2 + \sqrt{3} = (1 + \sqrt{3})^2/2$e 2 = 2n+1 = 2(n+1)2 é uma quarta potência em K. Resta-nos assim demonstrar que $\pm(1 + \sqrt{3})$ não são quadrados em K. Suponha por absurdo que $\epsilon (1 + \sqrt{3}) = (a + b \sqrt{3})^2$, com $\epsilon = \pm 1$; temos $\epsilon (1 - \sqrt{3}) = (a - b \sqrt{3})^2$e, multiplicando, -2 = (a2 - 3 b2)2, o que significa que -2 é um quadrado módulo Mn(pois a e b são inteiros). Isto, entretanto, é claramente falso: $(\frac{-2}{M_n}) = (\frac{-1}{M_n}) (\frac{2}{M_n}) = -1 \cdot 1 = -1$, pois $M_n \equiv 3 \pmod 4$ e já vimos que 2 é um quadrado módulo Mp. Isto conclui a demonstração.          $\blacksquare$

Mesmo quando Mp não é primo, podemos garantir que seus fatores primos serão de certas formas especiais. Isto é muito útil quando procuramos primos de Mersenne pois podemos eliminar alguns expoentes encontrando fatores primos de Mp. Isto também pode ser útil para conjecturarmos quanto à ``probabilidade'' de Mp ser primo, ou, mais precisamente, quanto à distribuição dos primos de Mersenne.

Proposição 3.15: Sejam p > 2 e q primos com q um divisor de Mp. Então $q \equiv 1 \pmod p$ e $q \equiv \pm 1 \pmod 8$.

Dem: Se q divide Mp então $2^p \equiv 1 \pmod q$, o que significa que a ordem de 2 módulo q é p (pois p é primo). Isto significa que p é um divisor de q - 1, ou seja, que $q \equiv 1 \pmod p$. Por outro lado, $2 \equiv 2^{p+1} = (2^{(p+1)/2})^2 \pmod q$, donde $(\frac{2}{q}) = 1$, o que significa que $q \equiv \pm 1 \pmod 8$.          $\blacksquare$

Os vários valores de p para os quais a primalidade de Mp foi testada sugerem que para a ampla maioria dos valores de p, Mp não é primo. Isto é apenas uma conjectura: não se sabe demonstrar sequer que existem infinitos primos ppara os quais Mp seja composto. Vamos agora ver uma proposição que serve para garantir que para certos valores especiais de p, alguns muito grandes, Mp não é primo.

Proposição 3.16: Seja p primo, $p\equiv 3 \pmod 4$. Então 2p + 1 é primo se e somente se 2p + 1 divide Mp.

Dem: Se q é primo então $M_p = 2^p - 1 = 2^{(q-1)/2} - 1 \equiv (\frac{2}{q}) - 1 \pmod q$. Mas $p\equiv 3 \pmod 4$ significa que $q \equiv 7 \pmod 8$, donde $(\frac{2}{q}) = 1$. Assim, $M_p \equiv 0 \pmod q$, o que demonstra uma das implicações da proposição.

Por outro lado, se 2p + 1 não é primo tem fatores primos r com $r \not\equiv 1 \pmod p$ (pois r < p). Se 2p + 1 dividisse Mp, r seria um fator primo de Mp, contrariando a proposição anterior.          $\blacksquare$

Os primos p para os quais 2p+1 é primo são chamados de primos de Sophie Germain. Alguns primos de Sophie Germain bastante grandes são conhecidos, como $p_0 = 18458709 \cdot 2^{32611} - 1$; assim, pela proposição anterior, Mp0 é composto. Sabe-se também que se $\pi_{\text{SG}}(x)$ denota o número de primos de Sophie Germain menores do que x então existe C tal que para todo x

\begin{displaymath}\pi_{\text{SG}}(x) < C \frac{x}{(\log x)^2}. \end{displaymath}

Acredita-se que $\pi_{\text{SG}}(x)$ seja assintótico a $cx/(\log x)^2$para algum c > 0 mas não se sabe demonstrar sequer que existem infinitos primos de Sophie Germain.


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Nicolau C. Saldanha
1999-08-09