Um grupo é um conjunto G munido de uma operação
e um elemento
com as seguintes
propriedades:
Um anel comutativo com unidade é um grupo abeliano aditivo Amunido de uma segunda operação
satisfazendo
,
,
para quaisquer
e um elemento
com
para todo
.
Assim,
é um anel comutativo com unidade.
Um corpo é um anel comutativo com unidade onde para todo com
existe
com
.
Repetindo então, K é munido de duas operações
e
,
de uma função
e dois elementos especiais distintos chamados 0 e 1
satisfazendo as seguintes propriedades:
e onde para todo ,
existe
com
Dado um corpo K, definimos o anel comutativo com unidade K[x]como sendo o conjunto das expressões
da forma
,
chamados de polinômios com coeficientes em K.
Observe que x é um símbolo formal e não um elemento de K;
apesar disso, cada polinômio define uma função polinomial
também chamada de P.
A distinção entre um polinômio e uma função polinomial
é bem ilustrada pelo polinômio
:
este polinômio é não nulo pois seus coeficientes são não nulos
mas para todo
temos P(x) = 0pelo pequeno teorema de Fermat.
Se
e
são polinômios definimos
e
onde
.
Definimos o grau
de um polinômio
como sendo n se
mas am = 0 para m > n;
definimos ainda o grau do polinômio 0 como sendo
.
Lema 2.1:
Para quaisquer polinômios P e Q temos
e
.
Dem:
Fácil.
Observe que definimos
e
para todo n.
Temos uma forma de divisão com resto em K[x].
Teorema 2.2:
Sejam
,
.
Então existem únicos polinômios
com
A = QB + R e
.
Dem:
A demonstração é feita por indução no grau de A.
Se
,
tomamos Q = 0, R = A.
Caso contrário, sejam n e m os graus de A e Be sejam a e b os coeficientes de mais alto grau destes polinômios.
Podemos escrever
A = (a/b) xn-m B + A1,
com
.
Pela hipótese de indução, temos
A1 = Q1 B + R, com
.
Fazendo
Q = (a/b) + xn-m + Q1 temos
A = QB + R.
A unicidade segue facilmente do lema anterior.
A demonstração acima nada mais é do que o algoritmo usual de divisão usual. Um polinômio P tem raiz a (i.e., P(a) = 0) se e somente se (x - a) | P. Mais geralmente, P(a) é o resto da divisão de P por x-a.
Proposição 2.3: Um polinômio P não nulo de grau n tem no máximo n raízes.
Dem:
A demonstração é feita por indução em
;
os casos n = 0 e n = 1 são triviais.
Se P tivesse n+1 raízes distintas
então P seria múltiplo de
(x - an+1);
P/(x - an+1) teria grau n-1 e raízes
,
contradizendo a hipótese de indução.
A partir da divisão com resto podemos repetir
muitas das construções feitas para
no capítulo anterior;
dizemos que K[x] (assim como
)
é um domínio euclidiano.
Daremos um esboço desta teoria;
estes resultados não serão necessários para acompanhar o resto do livro.
Definimos A|B se existe C com AC = Be dizemos que um polinômio P de grau maior que n>0 é irredutível se seus divisores todos têm grau 0 ou n(assim generalizando o conceito de número primo). O conceito de mdc também se generaliza, como indicado na proposição abaixo.
Proposição 2.4:
Dados polinômios não nulos
existe um único
(a menos de multiplicação por constante)
tal que D|A, D|B e, para todo
, se C|A e C|B então C|D.
Além disso existem
com
D = AE + BF.
Dem:
Definimos
e tomamos D de grau mínimo dentre os elementos não nulos de I(A,B);
o resto da demonstração é análoga à da proposição 1.1.
Polinômios irredutíveis são como números primos: um produto de polinômios só é múltiplo de um polinômio irredutível se um dos fatores o for.
Proposição 2.5:
Sejam P um polinômio irredutível e sejam
.
Se
então P|Ai para algum i,
.
Dem:
Análoga à do corolário 1.3.
Temos também um teorema de fatoração única.
Teorema 2.6: Todo polinômio pode ser fatorado como um produto de polinômios irredutíveis; esta fatoração é única a menos da ordem dos fatores.
Dem:
Análoga à do teorema fundamental da aritmética,
usando a proposição acima e fazendo indução no grau do polinômio.
Os exemplos mais evidentes de polinômios irredutíveis
são os da forma x - a, .
Quando estes são os únicos polinômios irredutíveis
dizemos que o corpo é algebricamente fechado.
Polinômios de grau 2 e 3 são irredutíveis
se e somente se não têm raízes.
O pequeno teorema de Fermat também admite uma formulação em termos de polinômios.
Teorema 2.7:
Seja p primo; em
temos
Dem:
Os dois polinômios dos dois lados da equação têm grau pe o coeficiente de xp é 1 nos dois casos.
Assim, a diferença tem grau menor do que pmas se anula em p pontos: 0, 1, ...p-1.
Pelo corolário anterior, esta diferença deve ser o polinômio zero.
A partir do teorema acima temos uma nova prova do teorema de Wilson:
em
,
mas o coeficiente independente é -1 do lado esquerdo
e (p-1)! do lado direito.
Podemos definir congruências em K[x]:
Prometemos que veríamos outros exemplos de corpos finitos além de
:
o parágrafo acima ensina que podemos construir tais corpos como
onde
é irredutível.
Por exemplo, o polinômio
x2 + x + 1 é irredutível em
o que nos permite construir um corpo de 4 elementos: 0, 1, x e x+1.
As operações em
e a relação
x2 = x + 1definem as operações neste corpo (denotamos x+1 por x'):
De fato existem em
polinômios irredutíveis de qualquer grau
e todo corpo finito pode ser construido desta forma.
Enunciaremos sem demonstração um teorema
que classifica os corpos finitos.
Teorema 2.8:
Existe um corpo finito com q elementos se e somente se
q é da forma pn para algum primo p e algum inteiro positivo n.
Além disso, dados dois corpos finitos K1 e K2com o mesmo número de elementos
existe uma única bijeção
com
f(a+b) = f(a) + f(b) e
f(ab) = f(a) f(b)para quaisquer
.
Uma bijeção como a descrita acima é chamada de isomorfismo e dois corpos são ditos isomorfos se existe entre eles um isomorfismo; a idéia é que corpos isomorfos são iguais a menos dos nomes dos elementos. Veremos mais tarde outras formas mais concretas de construir corpos finitos.