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Re: critica




	Oi, Elon, galera.

	Eu até sinto que as observações do Elon não foram dirigidas a minha
mensagem, não sei... mas eu me senti na obrigação de esclarecer as
outras respostas, e talvez a minha, se for este o caso. Depois eu me
embalei e acabei escrevendo uma longa mensagem de como um matemático
vê a construção da matemática. Muito já apareceu até na lista mesmo,
tudo é a minha modesta opinião, e deve ser desprezado como tal. Para
de ler aqui se você não gosta dessas ladainhas... ;) Só há um pouco de
matemática "paulera" aqui na questao (6).	

	Como a discussão foi motivada pela mensagem do Elon, eu a reordenei
para organizar melhor meu raciocínio.

> Elon Santos Corrêa wrote:
> a alguns dias enviei um e-mail para a lista intitulado "o dia que
> nao acaba" e confesso que fiquei impressionado com algumas
> respostas, estas respondiam como se a pergunta que fiz (1 =
> 0,999...?) fosse uma ofensa a tudo aquilo que os matematicos sabem,
> acreditam e aceitam.
> A essencia da questao foi perdida, prevaleceram os dogmas.
> Nao estou defendendo aqui, que a resposta para a pergunta que fiz
> seja sim ou nao, mas com certeza esta nao deveria ser respondida
> atraves de respostas prontas, mas sim questionada de forma logica e
> convincente.
> Duas "coisas" sao iguais porque nao podemos provar que
> elas sao diferentes (dentro de regras limitadas)?

	0) Ralph, todos nós estamos *ávidos* para saber: o que você achou das
respostas da lista?
	A mensagem do Elon não é uma "ofensa", mas é meio "contra" o que os
matemáticos sabem, acreditam e aceitam. Se você reler as respostas
pensando que elas foram dadas por gente que está pensando matemática e
usando matemática, você verá que elas não foram de pessoas ofendidas.
É só que elas estão usando o método matemático, digamos, tradicional.
E se alguém disse explicitamente "é isso e acabou", implicitamente
ele/ela está dizendo "se você usar a matemática que nós conhecemos, é
isso e acabou". Por favor não as interprete como ofensivas ou
ofendidas.
	Se alguma resposta pareceu "pronta", é porque esta é uma questão bem
discutida da qual se conhece a resposta (de novo, dentro das regras
matemáticas). Neste caso (usando as limitadas regras matemáticas
normais) *pode-se* provar sim que as coisas são iguais; este aspecto
foi mais discutido num "thread" anterior que o Nicolau já apontou, e
mais um pouco neste.
	Mas eu acho que entendo o que o Elon quer dizer... Ele nunca *disse*
que 0,999...<1, ele só queria saber o que todo mundo achava. A minha
mensagem até desviou um pouco da questão matemática em si e tentou
discutir o porquê da *surpresa* a respeito do 0,999...=1.

> A Matematica nao e' a verdade absoluta, nem o conjunto dos numeros
> reais pode explicar tudo que ocorre no mundo verdadeiro.
	1) Puxa, Ralph, os matemáticos que eu conheço acham que entendem o
mundo. É por que a Matemática é a verdade?
	Na minha opinião, um erro comum a alguns matemáticos e muitos
não-matemáticos é achar que a matemática é ou tenta ser A VERDADE. A
VERDADE é, eu acho, assunto da filosofia e da teologia, com as quais
temos coisas em comum, mas não é o nosso assunto. A confusão aumenta
porque a gente usa as palavras "afirmações verdadeiras" e "falsas" em
matemática, de coisas "corretas" e "incorretas"; o que estamos
realmente falando é de coisas "corretas usando as regras da
Matemática". Não sabemos se elas são A VERDADE. Arrisco dizer que à
maioria de nós não nos interessa saber se são A VERDADE. Pessoalmente,
com um pouco de exagero e um medo terrível de ofender muitas pessoas,
eu acho um tanto inútil tentar raciocinar o que é a VERDADE -- por
favor não me mate, eu reconheço que essa é uma limitação *minha* pois
*meu* raciocínio é muuuuito lógico, racional, dedutivo.
	Por outro lado, muitos gostam de acreditar que o MUNDO REAL e A
VERDADE também obedecem regras e não apresentam contradições; como a
matemática é um dos poucos sistemas de regras que conhecemos que
parece não apresentar contradições, é atraente imaginar que deve haver
uma conexão entre os dois. Mas não creio que alguém tenha 100% de
certeza que sim ou que não.

> Sera' que Matematica e' pensar somente por axiomas, postulados,
> teoremas, etc.? 
	2) A Matemática é feita por regras limitadas?
	Infelizmente (ou felizmente), a Matemática é sim baseada em axiomas,
postulados, teoremas, etc. Nem sempre a gente *pensa* por eles, muitas
vezes a gente usa a intuição para *pensar*, mas enquanto você não
*prova* suas afirmações por *teoremas*, elas não são consideradas
corretas NA MATEMÁTICA (são apenas conjecturas, convincentes ou não,
mas conjecturas). Esta é a base universalmente aceita pelos
matemáticos. Assim, ninguém deve se surpreender se as respostas da
lista são baseadas nisso também.
	Uma ciência que não é baseada em regras e conclusões tiradas destas
regras não é matemática. Tal ciência pode ser válida, pode ser
importante, e pode descrever o mundo melhor, mas não é matemática.
	Assim, a matemática é extremamente limitada por suas regras. 

> E se as regras falharem?
	3) As regras podem falhar?
	O que a gente realmente considera uma "falha" nas regras seria uma
contradição, isto é, você conseguir provar coisas opostas usando as
mesmas regras. Como eu disse, até hoje, as regras tradicionais da
matemática formam um dos únicos exemplos ricos de conjuntos de regras
que parecem se auto-sustentar, isto é, até aqui sem contradições. Isso
é uma coisa muito boa, mas ninguém *sabe* se vai sempre funcionar.

	4) Então esta tal de Matemática está *limitada* por regras que ainda
por cima podem *falhar*... Não dá para pelo menos mudar as regras um
pouco de vez em quando?
	As regras podem ser mudadas sim, e isto se faz também dentro da
matemática. Por exemplo, é possível mudar ligeiramente os postulados
da geometria plana e criar outras geometrias. De vez em quando alguém
descobre que há espaço para simplesmente incluir uma regra nova --
desde que ela não bata de frente com regras anteriores, está ok. Mas
será que esta teoria nova é interessante? Pergunta secundária: serve
para alguma coisa?  Importantissimo: é coerente, sem contradições?
Afinal, o equilíbrio entre as regras existentes é delicadíssimo --
mude alguma coisa e há potencial para desastre!
	Por exemplo, se você (ou qualquer um dentro da matemática) quiser
criar um número eps, onde eps é um "infinitesimal", você pode fazê-lo.
Só que isto bate de frente com os postulados existentes sobre os
número reais. Assim, crie eps = 1 - 0,999.... e suponha que eps > 0, e
surgem vários problemas. Por exemplo, eps/3 = 1/3 - 0,3333... > 0.
Oooops. Para continuar com a nossa teoria do eps, vamos ter que
desistir de pelo menos uma das seguintes coisas:
	i) Pode-se dividir ambos os lados de uma equação por 3
	ii) Números são diferentes quando sua diferença é >0.
	iii) 1/3 = 0,33333....
	iv) 0,9999.../3 = 0,3333....
	Puxa, desistir de (i) ou (ii) quebra a aritmética violentamente,
talvez não seja uma boa idéia... desistir de (iii) ou (iv) é possível,
mas você basicamente muda o que se entende por dízima periódica. Em
outras palavras, se você quer que 0,999...<1, você vai ter que mudar o
que *se entende* por 0,9999... Não quer dizer que você não pode
fazê-lo, mas há de se abrir mão de outras regras básicas, e nem mesmo
há garantia de que sua teoria vai se sustentar (podem aparecer
contradições que você não tem como resolver, e aí a sua teoria não
serve para nada).
	Repito, não que você esteja *proibido* de criar regras alternativas,
mas o potencial para que elas criem uma teoria completamente inútil é
tão grande que você teria que gastar muuuuito tempo trabalhando na sua
nova teoria até que alguém tenha qualquer vontade de olhar para ela.
Na minha modesta opinião, ninguém deveria se dedicar muito a achar um
conjunto de regras alternativo que produza uma teoria coerente a menos
que esta pessoa tenha MUITA experiência e entenda MUITO bem o conjunto
de regras tradicionais (que parece funcionar bem).

	5) Agora eu fiquei com medo... Se as regras *podem* ser mudadas, como
saber que regras estão sendo utilizadas?
	Para evitar esta confusão toda, de mudar as regras, e então ter de
revisar tudo, os matemáticos costumam ater-se a axiomas
pré-estabelecidas, reconhecidamente coerentes; qualquer discussão
sobre qualquer tema matemático deveria, a princípio, começar
estabelecendo-se que axiomas e postulados estão sendo utilizados. Mas
já pensou que coisa sacal se toda discussão matemática começasse
assim: "Bom, vou supor que os números reais são construídos assim e
assado, que todo número real é positivo, zero ou negativo, que a
operação de adição satisfaz isso e aquilo, que a operação de divisão
faz isso e aquilo, etc etc etc. <901 páginas depois> Bom, é verdade
que 0,999...=1?"
	Como isso é um porre, as pessoas omitem a parte inicial e vão direto
à questão final, assumindo implicitamente todas as outras regras que
são as mesmas de sempre. Com estas regras de sempre, se você perguntar
essa questão, a resposta é de fato simples: 0,999...=1 e ponto final.
	Agora, se a sua pergunta é: "Existe um outro conjunto de regras,
coerente, razoável, que fazem com que haja um número entre 0,999... e
1?" você tem que perguntar isso muuuuuuito claramente. Pior: se você
está vislumbrando mudar as regras do jogo, a gente mal consegue se
comunicar. Com regras diferentes, eu já não sei o que é 0,9999... nem
1, nem "número", nem "entre". Assim, a pergunta fica vaga e difícil de
responder precisamente. Se alguém jogar esta questão na lista, as
pessoas vão divagar horrores pois elas não estarão usando as regras
comuns da matemática -- cada um usará suas próprias regras.
	Assim, são essas mesmas regras limitadas e pouco mutáveis que
permitem que a matemática vá tão longe, que organizam a estrutura da
matemática, que permite com que matemáticos falem a mesma linguagem.

	6) Você é meio pedante, mas eu acho que entendi. Agora então eu vou
perguntar do jeito que você quer, seu chato: "Existe um outro conjunto
de regras, coerente, razoável, que fazem com que haja números
infinitesimais ou alguma coisa parecida com números muito
pequeninhos?"
	Tudo isto dito, eu devo dizer algo do qual *provavelmente* eu vou me
arrepender (o Nicolau vai me matar por isso)... *Existe* uma teoria
coerente que inclui outros números além dos reais, "números
infinitesimais". Bom, se ela é totalmente coerente eu não sei, mas
parece funcionar bem o suficiente para ser considerada uma teoria
coerente. Nela, existe um número infinitesimal eps que não é zero, e,
diga-se de passagem , não é nem negativo nem positivo, mas é menor que
qualquer número real positivo e maior que qualquer número real
negativo (pense nisso um pouco e você vai sentir um embrulho no
estômago). ESTA TEORIA NÃO FOI FEITA PARA BOTAR UM NUMERO ENTRE
0,999... E 1, o motivo foi bem diferente. Ela apresenta complicações
grandes (um problema você já viu acima -- com essa teoria, dado um
número a, você nem pode dizer que a=0, a>0 ou a<0 -- pode ser que
essas três coisas falhem!). Se alguém realmente quiser ver um pouco
mais sobre isso, o livro onde eu a vi chama-se "Winning Ways", de
Elwyn Berlekamp (Nicolau, você sabe isso *muito* melhor do que eu,
corrija-me se eu estiver errado)?. Não, eu não quero descrevê-la na
lista (mesmo porque quase não sei nada dela), e duvido que o Nicolau
queira neste momento. Compre o livro. Dê dinheiro aos pobres
matemáticos deste mundo. Visite a biblioteca matemática internacional
local. ;)
	De qualquer jeito, acredite: é bem mais fácil digerir que 0,999...=1
e que não há números infinitesimais do que digerir essa teoria...

	7) A-ha! Então a teoria tradicional está errada e existem númeos
infinitesimais! Te peguei!
	Bom, nenhuma teoria está certa, e todas estão certas. "Certo" para a
gente significa -- esta teoria não gera contradições DENTRO DE SI
MESMA. As duas teorias, da existência ou da não existência dos tais
números, são mutuamente exclusivas, mas ambas parecem se sustentar.
	Mas mesmo nesta teoria, 0,9999...=1. :) :) :)

> De qualquer forma, agradeco a todas as respostas, Elon.