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Re: Dvida



Diante desta brilhante resposta do Nicolau a questao se
"infinito + 1 = infinito?", tive uma certa sensacao de orgulho.
Totalmente injustificada, alias, porque nem sequer fui professor
do Nicolau. Talvez porque o tenha conhecido bem garotinho,
respondendo aos desafios intelectuais propostos por seu avo
(foi um grande amigo meu, e um dos melhores papos que conheci).
Os meninos desta lista talvez nao saibam a oportunidade que
estao tendo de desfrutar do conhecimento e da sabedoria
de um grande matematico brasileiro que, em vez de permanecer
encastelado em sua torre de sapiencia (o que seria direito seu),
vem repartir conosco sua cultura cientifica. Alias, este tipo de
generosidade eh a essencia da vocaco de professor.
Desculpe, Nicolau, mas a medida que a gente vai ficando velho,
vai ficando meio bobo.
Jose Paulo


-----Mensagem original-----
De: Nicolau C. Saldanha <nicolau@mat.puc-rio.br>
Para: obm-rj@mat.puc-rio.br <obm-rj@mat.puc-rio.br>
Data: Domingo, 27 de Junho de 1999 23:07
Assunto: Re: Dvida


>On 26 Jun 1999, Cristian Flores Silva wrote:
>
>>  Alguém poderia me dizer se:
>>
>>  infinito + 1 > infinito
>
>Esta questão, como várias outras que já apareceram nesta lista,
>é questão de definição (ou seja, de gosto, conveniência, utilidade...).
>Mas ao contrário da maioria destas outras perguntas (se 0 é natural,
>se 1 é primo, se 0,9999999999999... = 1) esta admite várias respostas
>diferentes, cada uma delas usual em uma área diferente da matemática.
>Usarei inft para o sinal usual de infinito.
>
>Em cálculo é conveniente considerar o conjunto
>[- inft, + inft] = R U {-inft, +inft}.
>A conveniência vem de que neste conjunto várias propriedades de R se
>tornam mais simples, por exemplo: toda seqüência monótona tem limite,
>todo conjunto tem supremo, toda seq tem um lim inf e um lim sup e ela
>converge sse estes dois valores são iguais,...
>Neste conjunto definimos as operações de + e * e as funções elementares
>passando ao limite: assim +inft + a = +inft para qualquer real a
>mas (+inft) + (-inft) não está definido. Em particular +inft + 1 = +inft.
>
>Em teoria dos conjuntos definimos números cardinais: dois conjuntos A e
>B têm o mesmo cardinal sse existe uma bijeção entre A e B; o cardinal de A
>é menor ou igual ao cardinal de B sse existe uma função injetora de A em
>B. Assim, demonstra-se que os cardinais de N, Z e Q são todos iguais
>entre si, que os cardinais de R e C também são iguais entre si, mas que o
>cardinal de N é estritamente menor que o cardinal de R. Existem assim
>muitos cardinais infinitos diferentes. Se denotarmos o cardinal de um
>conjunto A por |A|, definimos |A| + |B| = |A U B| se A e B forem disjuntos
>e |A| * |B| = |A x B| (produto cartesiano); demonstra-se entretanto que se
>|A| e |B| são infinitos com |A| <= |B| então |A| + |B| = |A| * |B| = |B|,
>o que significa que estas operações com cardinais não são muito
>interessantes. Se o inft na pergunta for interpretado como um cardinal
>infinito então inft + 1 = inft.
>
>Por outro lado define-se em teoria de conjuntos o conceito de número
>ordinal: um ordinal é um conjunto transitivo totalmente ordenado pela
>relação de pertence (Z é transitivo sse sempre que X pertence a Y e
>Y pertence a Z temos X pertence a Z). As operações + e * são definidas
>sobre os ordinais da mesma forma que sobre os naturais, exceto que devemos
>usar uma outra forma de indução, chamada indução transfinita. Para
>responder a pergunto inicial, basta notar que definimos a + 1 = a U {a}
>para qualquer ordinal a (isto é o ponto de partida da indução). Se o a=inft
>na pergunta for interpretado como um ordinal então, de acordo com esta
>definição, é claro que a + 1 > a. Por outro lado temos 1 + a = a para
>qualquer ordinal infinito a (isto mesmo: a adição de ordinais não é
>comutativa).
>
>Já mencionei em outro e-mail os números surreais de Conway: não vou
>repetir o que eu falei em outra ocasião mas estes números satisfazem
>propriedades algébricas muito parecidas com a dos reais. Em particular,
>a + 1 > a para qualquer surreal a. Assim, se o a=inft na pergunta for
>interpretado como um número surreal então a + 1 = 1 + a > a. Uma situação
>um pouco parecida onde aparecem infinitos é em análise não-standard:
>aqui novamente a + 1 > a para todo a, finito ou infinito.
>
>Como você vê, a resposta para sua pergunta depende de exatamente que tipo
>de infinito você tem em mente...
>
>[]s, N.
>http://www.mat.puc-rio.br/~nicolau
>