A divisão euclidiana, ou divisão com resto,
é uma das quatro operações que toda criança aprende na escola.
Sua formulação precisa é:
dados
,
existem
com
e
a = bq + r.
Tais q e r estão unicamente determinados
e são chamados o quociente e resto
da divisão de a por b.
Se b > 0 podemos definir
e
se b < 0,
;
em qualquer caso,
r = a - bq.
O resto r é às vezes denotado por
;
definimos
.
Lembramos que
denota o único inteiro k tal que
e
o único inteiro k tal que
.
Dados dois inteiros a e b (em geral com )
dizemos que b divide a, ou que a é um múltiplo de b,
e escrevemos b | a, se existir
com a = qb.
Se
,
também dizemos que b é um divisor de a.
Assim, b | a se e somente se
.
Proposição 1.1:
Dados
existe um único
tal que
d|a, d|b e, para todo
,
se c|a e c|b então c|d.
Além disso existem
com
d = ax + by.
Esse natural d é chamado o máximo divisor comum,
ou mdc, entre a e b.
Escrevemos
ou
(se não houver possibilidade de confusão) d = (a,b).
Dem:
O caso a = b = 0 é trivial (temos d = 0).
Nos outros casos, seja
e seja
d = a x0 + b y0 o menor elemento positivo de I(a,b).
Como
,
existem
com
a = dq + r e
.
Temos
;
como r < d e d é o menor elemento positivo de I(a,b),
r = 0 e d | a.
Analogamente, d | b.
Suponha agora que c|a e c|b;
temos
c | a x + b y para quaisquer valores de x e ydonde, em particular, c|d.
O algoritmo de Euclides para calcular o mdc baseia-se
nas seguintes observações simples.
Se
a = bq + r,
,
temos
(com a notação da demonstração acima)
I(a,b) = I(b,r), donde
(a,b) = (b,r).
Definindo a0 = a, a1 = b e
an = an+1 qn+2 + an+2,
(ou seja, an+2 é o resto da divisão de an por an+1)
temos
para qualquer valor de n.
Seja N o menor natural para o qual
aN+1 = 0:
temos
(a,b) = (aN,0) = aN.
Lema 1.2: Se (a, b) = 1 e a|bc então a|c.
Dem:
Como
(a, b) = 1, existem
com
ax + by = 1,
logo
a | c = acx + bcy.
Quando (a,b) = 1 dizemos que a e b são primos entre si. Um natural p > 1 é chamado primo se os únicos divisores positivos de p são 1 e p. Um natural n > 1 é chamado composto se admite outros divisores além de 1 e n.
Claramente, se p é primo e
temos (p,a) = 1.
Usando o lema anterior e indução temos o seguinte resultado:
Corolário 1.3:
Sejam p um número primo e sejam
.
Se
então p|ai para algum i,
.
Estamos agora prontos para enunciar e provar o teorema que diz que todo inteiro admite fatoração única como produto de primos.
Teorema 1.4: (Teorema fundamental da aritmética)
Seja
um número natural.
Podemos escrever n de uma única forma como um produto
Dem:
Mostramos a existencia da fatoração por indução.
Se n é primo não há o que provar (escrevemos m = 1, p1 = n).
Se n é composto podemos escrever n = ab,
,
1 < a < n, 1 < b < n.
Por hipótese de indução,
a e b se decompõem como produto de primos.
Juntando as fatorações de a e b(e reordenando os fatores) obtemos uma fatoração de n.
Vamos agora mostrar a unicidade, também por indução.
Suponha que
Outra forma de escrever a fatoração é
Segue deste teorema o outro algoritmo comum para calcular o mdc de dois números: fatoramos os dois números e tomamos os fatores comuns com os menores expoentes. Este algoritmo é bem menos eficiente do que o de Euclides para inteiros grandes (que em geral não sabemos fatorar) mas é instrutivo saber que os dois algoritmos dão o mesmo resultado.
Corolário 1.5: Se (a,n) = (b,n) = 1 então (ab,n) = 1.
Dem:
Evidente a partir do algoritmo descrito acima.
Teorema 1.6: (Euclides) Existem infinitos números primos.
Dem:
Suponha por absurdo que
p1, p2,..., pm fossem todos os primos.
O número
não seria divisível por nenhum primo,
o que contradiz o teorema fundamental da aritmética.
Observe que não provamos que
é primo para algum conjunto finito de primos
(por exemplo, os m primeiros primos).
Aliás,
,
,
4! + 1 = 25 = 52 e
não são primos.
Não existe nenhuma fórmula simples conhecida que gere sempre números primos.
Veja a seção 3.1.