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Fw: Escrita como tecnologia
-----Original Message-----
From: Eduardo O C Chaves <chaves@mindware.com.br>
To: edutec@mindware.com.br <edutec@mindware.com.br>
Date: Monday, April 19, 1999 12:54 AM
Subject: Escrita como tecnologia
>Comprei recentemente um livro interessante: Writing Space: The Computer,
>Hyptertext, and the History of Writing, de Jay David Bolter.
>
>Eis uma passagem interessante:
>
>"Escrever com caneta e papel não é mais natural, ou menos tecnológico, do
>que escrever com teclado e vídeo num computador. É verdade que um
computador
>é mais complicado e mais frágil do que uma caneta. Mas não podemos nos
>isolar da tecnologia e reverter para os métodos de escrever mais antigos.
>Além disso, a produção de canetas e papel hoje também requer um processo
>sofisticado de manufatura: sem eletricidade, organização industrial, e
redes
>de transporte e distribuição, não teríamos, hoje, suprimentos adequados de
>canetas e papel, os materiais necessários para a escrita antes do
>computador. De qualquer forma, não é a complexidade dos materiais que
>importa tanto: mais importante é o estado de mente técnico, que é comum a
>todos os métodos de escrever." (p.37).
>
>Esta passagem, que não havia lido antes, se liga a algo que disse na
>palestra que dei em Uberaba, a convite da Iolanda. No debate, uma aluna
>argumentou que a calculadora e o computador estão prejudicando a educação
>das crianças, porque estão fazendo com estas deixem de fazer (e, em breve,
>de aprender a fazer) contas com lápis e papel e passem a fazê-las na
>calculadora (ou no computador). Minha resposta a ela foi de que fazer conta
>com lápis e papel não é uma forma natural de fazer contas: é uma forma de
>fazer contas (dividir, por exemplo) que usa tecnologia -- não só o lápis e
o
>papel, mas o método de dispor os números, a técnica de concentrar na parte
>do dividendo que é divisível pelo divisor e temporariamente ignorar o
resto,
>etc. O método mais natural de fazer contas seria o de fazer contas
>mentalmente -- mas nem esse é natural, porque precisamos inventar técnicas
e
>macetes para conseguir lidar com grandes números mentalmente -- e nem
todos,
>de fato muito poucos, conseguem fazer isso. Assim, se nada temos contra o
>uso de lápis e papel na aritmética, por que objetar à calculadora ou ao
>computador? Porque no caso de lápis e papel usamos algoritmos? Mas a maior
>parte das pessoas aprende a aplicar o algoritmo automaticamente, sem
>necessariamente entendê-lo. Por que, então, não usar simplesmente a
>calculadora ou o computador?
>
>No meu último livro argumento que mesmo a arte de falar, a linguagem em si,
>é tecnologia. O uso de conceitos envolve processos mentais sofisticados e
>complexos, faz uso de regras. Conseguir se comunicar pela linguagem é
>dominar métodos e técnicas de comunicação sofisticados -- como todo mundo
>que tem que aprender uma língua estrangeira descobre. O fato de que falamos
>nossa língua materna desde pequeninos nos oculta o fato de que estamos
>usando uma tecnologia sofisticada.
>
>Lutam em vão os que se posicionam contra o desenvolvimento tecnológico.
>Sócrates lutou contra a escrita. Em vão. Ainda bem que perdeu -- caso
>contrário, não teríamos acesso ao que ele pensou e disse, apesar de ele
>próprio ter-se recusado a colocar esses pensamentos no papel, através da
>escrita. Ainda bem que Platão o fez por ele e para nós.
>
>O ser humano é um animal que inventa técnicas e métodos, cria artefatos,
>constrói mecanismos (devices, gadgets). Não fosse isto, estaríamos ainda
>antes da idade da pedra, dando grunhidos, como os primatas que, segundo
>dizem, nos antecederam, e que vieram a ser dominados, na briga pela
>sobrevivência do mais apto, quando um deles descobriu (segundo 2001:
>Odisséia do Espaço) que batendo com um osso em outro osso, era fácil
>quebrá-lo, criando assim uma ferramenta para quebrar a cabeça do inimigo.
>Duro, brutal, mas provavelmente verdadeiro.
>
>Continuamos a inventar ferramentas para matar os inimigos e os que nos
>ameaçam. O duro é que, embora tenhamos aperfeiçoado enormemente nossa
>tecnologia, não tenhamos conseguido aperfeiçoar nossos valores e,
>conseqüentemente, nossa moralidade. Nesse sentido, concordo com o Antonio
>Carlos. O problema básico é de valores -- e dentro dos valores, dos valores
>morais, cuja descoberta e elaboração e função da ética.
>
>Eduardo Chaves
>eduardo@chaves.com.br
>